Rússia prende repórter americano do "Wall Street Journal"
30 de março de 2023Um repórter americano do jornal Wall Street Journal foi detido pela Rússia sob a acusação de estar espionando para Washington, anunciou nesta quinta-feira (30/03) o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB), na iniciativa pública mais séria contra um jornalista estrangeiro desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
O FSB disse em um comunicado que havia aberto um processo criminal contra Evan Gershkovich por suspeita de espionagem, acusando-o de reunir informações sobre uma instalação militar classificada como segredo de Estado.
O jornalista afirmou nesta quinta-feira, em uma corte russa, que era inocente da acusação de espionagem, segundo a agência de notícias oficial russa Tass. A corte determinou que Gershkovich seja mantido em prisão cautelar até 29 de maio.
O FSB não nomeou a instalação militar nem disse onde ela ficava, mas informou que deteve o jornalista de 31 anos na cidade de Yekaterinburg, nos Urais, quando ele estaria tentando obter informações secretas, sem fornecer provas documentais dessa acusação.
"Foi estabelecido que E. Gershkovich, agindo em uma missão do lado americano, estava coletando informações classificadas como segredo de Estado sobre a atividade de um dos empreendimentos do complexo militar-industrial da Rússia", disse o FSB.
O Wall Street Journal declarou que a detenção de Gershkovich era baseada em falsas acusações e que estava "profundamente preocupado" com sua segurança, e pediu "a soltura imediata de nosso confiável e dedicado repórter".
A detenção irá piorar as já péssimas relações entre a Rússia e os Estados Unidos, que é o maior apoiador militar da Ucrânia e impôs sanções ao Kremlin para tentar persuadi-lo a retirar suas tropas – sem que Moscou dê sinais de que fará isso.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo, Maria Zakharova, disse que as atividades de Gershkovich em Yekaterinburg não estavam "relacionadas ao jornalismo" e que não era a primeira vez que a função de jornalista estrangeiro teria sido usada como fachada para outras atividades.
O Kremlin disse que Gershkovich havia sido pego "em flagrante delito". Outros jornalistas trabalhando para o jornal americano na Rússia poderiam seguir reportando, desde que tivessem as credenciais apropriadas e estivessem realizando o que chamou de "atividade jornalística normal", informou o governo russo.
Uma fonte diplomática dos EUA disse que a embaixada na Rússia não havia sido comunicada sobre o incidente e estava procurando informações das autoridades sobre o caso.
Censura rigorosa
A Rússia endureceu as leis de censura desde que enviou dezenas de milhares de soldados à Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, e estabeleceu penas de prisão para pessoas que tenham "desacreditado" os militares. A definição do que constitui um segredo de Estado, particularmente na esfera militar, também foi ampliada.
"O problema é que a legislação russa recém-atualizada e a interpretação atual do FSB sobre espionagem permitem a prisão de qualquer pessoa que esteja simplesmente interessada em assuntos militares", disse Tatiana Stanovaya, observadora do Kremlin e fundadora da empresa de análise política R.Politik.
"Isso quer dizer [qualquer um que] escreva sobre a guerra contra a Ucrânia, empresas militares privadas, a situação do exército, o envio de munições aos soldados, táticas e estratégias militares", disse.
Outros jornalistas estrangeiros que cobrem a Rússia expressaram seu apoio a Gershkovich, dizendo que ele era um repórter profissional, não um espião.
Andrei Soldatov, um autor e especialista em agências de segurança da Rússia que mora fora do país, disse no Twitter: "Evan Gershkovich é um jornalista muito bom e corajoso, não um espião. É um ataque frontal a todos os correspondentes estrangeiros que ainda trabalham na Rússia. E isso significa que o FSB está sem controle".
A Human Rights Watch, sediada em Nova York, pediu a libertação do jornalista.
Gershkovich, que cobre a Rússia desde 2017, trabalhou anteriormente no jornal The Moscow Times e na agência de notícias AFP antes de ingressar no escritório de Moscou do Wall Street Journal em janeiro do ano passado. Nos últimos meses, ele vinha cobrindo principalmente a política russa e o conflito na Ucrânia.
Seu telefone celular não pôde ser contatado na quinta-feira e, de acordo com o serviço Telegram, ele esteve online pela última vez na quarta-feira às 13h28, horário de Moscou.
bl/ek (AFP, Reuters)