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Rússia quer estar livre para realizar testes nucleares

18 de outubro de 2023

Deputados russos decidem sobre revogar ratificação do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares. Analistas estão céticos quanto a testes reais: seria antes uma mensagem para os EUA no contexto da guerra na Ucrânia.

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Caminhão carrega mísseis intercontinentais em parada militar em Moscou
Mísseis intercontinentais em parada militar em MoscouFoto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance

Um teste atômico sobre a Sibéria seria um "ultimato nuclear" para o Ocidente, enquanto as consequências para a população russa não seriam tão graves assim: essa foi, em resumo, a mensagem da editora-chefe da emissora estatal da Rússia RT, Margarita Simonyan, num vídeo divulgado no início de outubro.

Nele, ela afirmava que "nada de tão terrível assim" aconteceria, caso se desencadeasse uma explosão termonuclear no próprio país: mais importante é o fato de que os países ocidentais não iam ceder "até que sintam grandes dores". No mundo de Simonyan, o Ocidente não tem nada melhor a fazer do que tentar o tempo todo "estrangular" a Rússia usando as mãos da Ucrânia.

A chefe da RT é um dos rostos mais conhecidos da propaganda russa, participando com frequência das rodadas de debates do programa de seu colega Vladimir Solovyov. Ela é conhecida por suas tiradas cheias de ódio contra a Ucrânia e as potências ocidentais, sobretudo os Estados Unidos.

Entretanto sua bizarra sugestão de uma explosão atômica em território russo foi longe demais, não só inquietando os espectadores, mas também provocando irritação no Kremlin. O porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitri Peskov, fez questão de enfatizar que as palavras de Simonyan "nem sempre refletem a posição oficial", e que ele não considera que esse tipo de discussão faça sentido.

Mas em meados de outubro esse tipo de discussão voltou a ser abordado, e pelo menos os deputados russos terão se recordado das palavras da jornalista: nesta quarta-feira (18/10), a Duma (câmara baixa do parlamento nacional) aprovou em segunda leitura a lei revogando a ratificação por Moscou do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT, na sigla em inglês). A votação final está marcada para a quinta-feira.

"Menos um motivo para russos respeitarem a proibição"

Assinado em 24 de setembro de 1996, o CTBT é um dos últimos acordos armamentistas internacionais que a Rússia ainda considera vinculativo. Colocá-lo em questão foi uma ideia apresentada pessoalmente pelo presidente Vladimir Putin e acatada pelo presidente da Duma, Vyacheslav Volodin. A justificativa é que os EUA nunca o ratificaram, portanto agora seria a hora de retirar a validação russa, para finalmente estabelecer um equilíbrio.

Juntos, os dois países possuem 90% de todas as ogivas nucleares do mundo. Ao contrário de Washington que só o assinou, em 2000 Moscou também ratificou o documento em seu parlamento nacional, frisa o especialista em assuntos nucleares Pavel Podvig, do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa de Desarmamento.

Sessão plenária da Duma, em Moscou
Sessão plenária da Duma, em MoscouFoto: Sergei Fadeichev/dpa/TASS/picture alliance

Apesar de o tratado nunca ter entrado oficialmente em vigor, desde a década de 1990 as grandes potências nucleares China, EUA, França, Reino Unido e Rússia respeitam a moratória. Também a Índia e o Paquistão suspenderam seus testes desde 1998. "O único dissidente nesse aspecto, por assim dizer, é a Coreia do Norte [não signatária], que já realizou seis testes atômicos", complementa Podvig.

Ele enfatiza que o acordo em questão detém uma alta reputação na comunidade mundial: "Ninguém vai fazer amigos realizando novos testes atômicos. Todas as ideias que estão sendo discutidas na Rússia agora – no espírito de 'Vamos botar medo em todo mundo!' – na prática não devem assustar ninguém. No entanto a condenação vai ser indiscutível." Por outro lado, o abandono do pacto emitiria um sinal político e, pelo menos do ponto de vista jurídico, seria menos uma razão para os russos se aterem à moratória autoimposta, acrescenta.

Tentativa de intimidar os EUA

O especialista nuclear russo Maxim Starchak, do Centro de Política Internacional e de Defesa da Universidade de Queens, no Canadá, não se espantaria se em breve Moscou de fato empreender testes atômicos, mas "até agora não há indícios claros de que a Rússia pretenda fazer tais testes no futuro próximo". Os físicos nucleares não são unânimes quanto à utilidade do procedimento: "Alguns são a favor, outros são contra. Sua reativação vai certamente exigir uma decisão política."

Teste nuclear da França no Atol de Bikini, no Oceano Pacífico, março de 1954
Teste nuclear da França no Atol de Bikini, no Oceano Pacífico, março de 1954Foto: Heritage Images/IMAGO IMAGES

Seja como for, o país dispõe de um território já preparado para esse fim na dupla ilha Novaya Zemlya, no Oceano Ártico, afirma Starchak: "Lá, até onde se sabe, existem três locais onde se pode realizar testes atômicos subterrâneos. Acho que, se a intenção se concretizar, então seria lá. Pois não me passa pela cabeça que essa loucura seja colocada em prática com uma explosão de superfície."

Consenso entre ambos os especialistas é que se deve levar a sério a planejada saída russa do CTBT. Segundo Pavel Podvig, a explosão de uma bomba atômica não faria o menor sentido militar, já que seu único fim seria matar o maior número possível num tempo mínimo. E é preciso ter justamente isso em mente: desse modo a Rússia estaria emitindo o sinal de que está disposta "a matar muita gente, dezenas e centenas de milhares, milhões".

Maxim Starchak está convicto de que a intenção russa de se desligar da moratória global sobre testes nucleares representa um novo passo na escalada da guerra contra a Ucrânia: o Kremlin espera que os EUA reconheçam nessa espiral de violência um perigo real para si e se disponham a reduzir esse perigo cedendo à Rússia e fazendo concessões no contexto da invasão da Ucrânia.