Sasha Waltz: do gesto à dança narrativa
21 de outubro de 2005
Nas coreografias de Sasha Waltz, as formas pretendem ser muito mais que simples acessórios da narração. Ao invés de ilustrar com passos e figuras uma história alheia, a coreógrafa faz com que os cenários contem suas próprias histórias, partindo do corpo e dos movimentos que se desenvolvem a partir dele. Sem medo, ela rompe com regras e preconceitos estabelecidos na jovem tradição do teatro-dança alemão.
De estrela off a representante do gênero
Nascida em 1963 em Karlsruhe, Sasha Waltz iniciou sua carreira de dança como aluna de Mary Wigman. Aos 20 anos, mudou-se para Amsterdã, onde freqüentou a Scholl for New Dance Development. Pouco depois, seguiu para Nova York, onde passou um ano. Em 1993, recebeu uma bolsa concedida a artistas pela Künstlerhaus Bethanien, em Berlim. Foi então que fundou a companhia Sasha Waltz & Guests, junto com Jochen Sandig, dramaturgo e futuro pai de seu filho.
A coreógrafa passou rapidamente de estrela off do teatro-dança ao posto de uma das grandes representantes do gênero. Suas coreografias associam atuação política e ação corporal, criando referências à realidade social, às limitações pequeno-burguesas e centrando a atenção em assuntos como a violência física e psíquica, a sexualidade frustrada e a disputa entre os sexos.
Graças à sua forma de compreender a dança – como algo que vai além da mera forma e narra histórias que implicam questões essenciais para o ser humano – Sasha Waltz consegue inovar a linguagem corporal no palco. Ela cria coreografias belíssimas e extremamente inquietantes. Partindo muitas vezes de movimentos cotidianos, que, estilizados e colocados em outro contexto, adquirem novos significados.
Schaubühne: experiência extraordinária
Em 1999, Sasha Waltz assumiu, ao lado de Thomas Ostermeier, Jens Hillje e Jochen Sandig, a direção artística do lendário teatro Schaubühne am Lehniner Platz, em Berlim. Fundado em 1962 como instituição privada, cuja programação era ligada à resistência política, este teatro teve sua época de ouro entre 1970 e 1985, quando, sob a direção de Peter Stein, se tornou conhecido internacionalmente.
Stein e um grupo de jovens dramaturgos quiseram, através do trabalho coletivo, criar uma alternativa ao sistema estatal reinante na Alemanha. Com o tempo, o Schaubühne desenvolveu um estilo próprio, caracterizado pela fidelidade ao texto, bem como pelo direito de voto de todos os funcionários na concepção da programação. Nascia ali um espaço extraordinário, aberto à discussão e à análise da sociedade alemã da época.
Desde que Waltz e Ostermeier assumiram a direção artística do teatro, foi possível resgatar um pouco dessa atmosfera inconoclasta e provocadora que havia sido a marca registrada do Schaubühne durante tantos anos. Os dois novos diretores quiseram fazer teatro contemporâneo no sentido mais amplo da palavra: um teatro que falasse dos conflitos essenciais do momento.
Clique ao lado para continuar a ler.
De volta às origens
Um grupo de 40 atores e bailarinos se propôs a renunciar durante pelo menos dois anos a contratos no cinema, televisão ou rádio, dedicando-se exclusivamente à busca de uma nova concepção do que é teatro e trabalhando, para isso, ao lado de diretores, coreógrafos, cenógrafos e músicos. O elenco discute todas as propostas de obras, tendo direito de rejeitar uma proposta.
Por essas e por outras, o Schaubühne se define como um laboratório em constante diálogo com outras áreas como arquitetura, artes plásticas, música, literatura e cinema, criando, assim, uma nova linguagem teatral. A postura de colocar no mesmo patamar teatro e dança também é única no cenário artístico alemão.
“Em nossa sociedade atual, tão complexa, se torna muitas vezes impossível expressar-se somente através da palavra. A dança conta uma história através do corpo, conseguindo assim tornar universos visíveis que vão muito além de nossa percepção racional”, explica Sasha Waltz.
Trilogia do corpo
Este espaço de criação único e ideal permitiu à coreógrafa desenvolver uma trilogia sobre o ser humano e o corpo. Em janeiro de 2000, o Schaubühne abria suas portas sob a nova direção artística, apresentando a primeira parte de uma trilogia coreografada por Waltz e intitulada Körper (Corpo). O sucesso de crítica e público foi enorme.
A peça marcou uma mudança na trajetória da coreógrafa, tendo sido o resultado de um trabalho coletivo, sobre o qual a arquitetura do Schaubühne também exerceu fortes influências. Ao lado de seus 13 bailarinos, Sasha Waltz nos mostra o exterior e o interior do corpo humano, sua beleza e sua crueldade, a iminência da morte e o sonho da perfeição.
A segunda parte da trilogia, intitulada S, celebra uma sensualidade inocente, quase perfeita. A coreógrafa dedicou a peça à origem da vida, a Eros e à sexualidade. Também S foi um grande sucesso de público, além de ter sido bem recebido pela crítica.
O ciclo coreográfico de Sasha Waltz se encerrou com noBody – que trata do “metafísico, da alma, do espírito, do imaterial, do intangível na existência humana e da morte", nas palavras da própria coreógrafa. noBody foi uma co-produção com o Festival de Teatro de Avignon, na França, cuja estréia mundial aconteceu em julho de 2002. A arquitetura única e histórica do “pátio de honra” em Avignon exerceu grande influência sobre o desenvolvimento do trabalho, que foi considerado o melhor de Sasha Waltz até então.