Schröder e o novo muro de Berlim
18 de fevereiro de 2003A declaração conjunta de segunda-feira da União Européia sobre a crise iraquiana teve a façanha de agradar a todos no cenário político alemão. A oposição vibrou ao tomar conhecimento que o chanceler federal Gerhard Schröder assinou embaixo o documento que reconhece a possibilidade do uso da força militar como "último recurso". Já os governistas comemoram a prioridade européia pela solução pacífica.
O teor da resolução
O texto aprovado pelos chefes de Estado e governo dos 15 países membros da UE em Bruxelas reafirma o papel das Nações Unidas como fórum regulador da ordem internacional e que a UE tem a obrigação de apoiar suas resoluções. Quanto ao Iraque, cabe ao Conselho de Segurança tomar as decisões sobre cada passo para o desarmamento do regime de Saddam Hussein.
"Nós queremos alcançar isto pacificamente. Está claro que a população da Europa deseja assim", explicita o documento, influenciado pelas manifestações populares do último fim de semana, assim como pelas pesquisas de opinião pública. Somente em Berlim, 500 mil pessoas compareceram ao protesto pacifista no sábado, cinco vezes mais do que o esperado pelos organizadores. Na Grã-Bretanha, até 90% rejeitam uma guerra.
Os signatários de Bruxelas ressaltam, porém, que cabe ao governo iraquiano encerrar a crise, cumprindo as resoluções da ONU. Eles apóiam o trabalho dos inspetores das Nações Unidas, que devem dispor do tempo e dos recursos que o Conselho de Segurança julgar necessários. Eles não podem, entretanto, ter prazo ilimitado, caso falte cooperação por parte de Bagdá.
Com tom quase de ultimato, a declaração destaca que o Iraque "tem uma última chance para resolver de forma pacífica a crise" e que o regime de Saddam será o único responsável se não aproveitar a oportunidade e continuar desrespeitando o desejo da comunidade internacional. Ao fim do documento, a UE afirma estar "determinada a cooperar, com todos os parceiros, em especial os Estados Unidos, pelo desarmamento do Iraque, pela paz e pela estabilidade na região".
Concessão sem contradição
Para Gerhard Schröder, o teor da declaração não contradiz a posição de seu governo, apesar da admissibilidade de uma guerra, até agora rejeitada categoricamente por Berlim. "Na operação Liberdade Duradoura (no Afeganistão) e nos Bálcãs (em Kosovo), também tivemos de recorrer ao uso da violência. É difícil para qualquer um. Mas a princípio nós não podemos excluí-la, nem nunca a excluímos", disse o chanceler.
"Este compromisso não poderia ser diferente numa Europa com 15 governos e posições diversas. Fico satisfeito por ter ficado claro que existe uma chance de paz", afirmou o chefe de governo alemão. O social-democrata ressaltou que ambos os extremos cederam "para não deixar a Europa rachada, no que ninguém tem interesse".
Mas, na opinião da coalizão vermelho-verde, foi o primeiro-ministro britânico Tony Blair, fiel aliado dos EUA, quem mais teve de alterar sua posição original. "Se queremos fazer política conjunta com aliados e parceiros, é preciso chegar-se a um compromisso. O decisivo nesta declaração é que a necessidade de uma solução pacífica é claramente enfatizada", avalia o deputado Winfried Nachtwei, do Partido Verde.
Oposição aplaude e provoca
Os partidos conservadores e liberal parabenizaram o governo pela postura assumida em Bruxelas, mas não perderam a oportunidade de alfinetar mais uma vez o chefe de governo. "Gerhard Schröder mostrou que não pode sustentar aquilo que eventualmente diz", cutucou Wolfgang Schäuble, vice-líder da bancada unificada da União Democrata-Cristã (CDU) e da União Social-Cristã (CSU) no parlamento federal. Para o deputado, o mais importante da declaração é recuperar a capacidade de pressão quando a América e a Europa estão do mesmo lado. "O mais devastador na desunião das últimas semanas foi ter beneficiado Saddam."
A aceitação da guerra como último recurso foi interpretada pela oposição como uma correção de rumo, que pode reparar os danos causados à credibilidade política da Alemanha junto a seus aliados. Presidente da CSU, o governador da Baviera quer novos passos na nova direção. Edmund Stoiber conclamou Schröder à coerência e reivindicou que ele volte atrás também em suas afirmações de que Berlim não participará de um eventual ataque ao Iraque e não votará a favor de uma resolução de guerra no Conselho de Segurança da ONU.
Ex-ministro não acredita em reviravolta
Já o presidente do Partido Liberal saudou a decisão do governo como base para o fim do "isolamento político internacional" da Alemanha e um reforço à pressão sobre Bagdá. Além disto, a iniciativa de Schröder abriria caminho para o restabelecimento do tradicional consenso entre governo e oposição sobre os principais temas da política externa, na opinião de Guido Westerwelle.
Ex-ministro das Relações Exteriores no governo Helmut Kohl, o liberal Klaus Kinkel não acredita numa reviravolta na política da coalizão social-democrata e verde. Votar a favor da guerra no Conselho de Segurança seria suicídio político a esta altura. "Se o chanceler aprovar a intervenção militar, pode pegar seu chapéu", considera Kinkel.
Fundamental é manter o rumo
Enquanto Schröder se equilibra sobre o muro da ambigüidade, alguns de seus correligionários fogem ao debate sobre as contradições do chanceler. Afinal, o fundamental é não perder de vista a meta da solução pacífica. "Acho que não devemos mais perder tempo com quem fez ou disse isto e aquilo, mas procurar usar este consenso (na UE) para dar condições às Nações Unidas de fazer aquilo que as pessoas na Europa realmente desejam: dar mais tempo para os inspetores e só tomar novas decisões quando de fato todos os meios diplomáticos e políticos estiverem esgotados", afirma o social-democrata Günter Verheugen, representante do governo alemão na comissão executiva da UE.