Poetas peladeiros
27 de novembro de 2011Um campo de futebol no centro de Berlim, grama artificial, holofotes, uma equipe em treinamento. Parece uma cena normal, mas não é. Os jogadores não são atletas como outros quaisquer. Essa equipe de futebol é a Autonama, a seleção nacional alemã de escritores. "Treinamos uma vez por semana e tentamos fazer a cada duas semanas um amistoso contra times de idade equivalente. Às vezes fazemos concentrações antes de grandes torneios. Estou participando desde o começo, quando ainda treinávamos em um parque para crianças”, diz Frank Willmann, quase sem fôlego, durante uma pequena pausa. Willmann escreveu vários livros sobre futebol, incluindo um sobre hooligans na Alemanha Oriental.
"Acho que o que nos une é o grande desejo pela arte, pela literatura e por esses momentos de glória que não são previsíveis", diz Moritz Rinke, respondendo a uma pergunta sobre o motivo que levou à formação de um time só de escritores.
Como uma ópera italiana
Dramaturgo conhecido, ele é autor de livros como Der Blauwal im Kirschgarten (A baleia azul no jardim das cerejas) ou Der Mann, der durch das Jahrhundert fiel (O homem que caiu através do século, em tradução livre). "No futebol, uma bola é lançada em jogo, iniciando uma série de acasos, algo que não existe na literatura. Nela, vamos burilando até a última frase”, diz Rinke. “Futebol é, para mim, um pouco como uma ópera italiana, o público é eletrificado. E nós, jogadores-escritores, gostamos da proximidade com o grande público", completa o escritor.
O time, criado por Thomas Brussig em 2005, é agora muito mais do que apenas um grupo de poetas adeptos da pelada. Assitidos muitas vezes antes de campeonatos por treinadores da Bundesliga, como Hans Mayer, eles já dominam passes rápidos ou a mudança de ritmo de jogo, recurso favorito do técnico Joachim Löw, da seleção alemã. “Mas é claro que, para o Autonama, há coisas mais importantes que ganhar ou perder”, diz Norbert Kron, autor do romance Autopilot (Piloto Automático). "O bom dessas reuniões é que nos encontramos com nossos colegas não apenas em reuniões acadêmicas ou painéis de discussões, como é o caso de muitos eventos literários”, lembra Kron.
Missionários da cultura
“Se encontramos os outros em uma condição tão cotidiana como no futebol, seja eles israelenses, suecos ou italianos, este encontro se torna tão pessoal que o entendimento sobre a literatura passa a ser outro”, diz o autor. "E enquanto os grandes craques se preocupam, por exemplo, com questões como o racismo ou as drogas, somos, digamos, os missionários culturais da Federação Alemã de Futebol (DFB), que apoia nossa equipe através da Fundação Cultural da DFB. A intenção é que os escritores construam pontes para outros países através do futebol".
Vários torneios contra equipes da Itália, Suécia ou Arábia Saudita mostraram que a ideia tem dado certo. “De um jogo, entretanto, os autores se lembram com especial carinho”, diz Moritz Rinke, citando o amistoso em Berlim contra a seleção de escritores de Israel. "Jogamos aqui no Estádio Olímpico, onde soou o hino de Israel. É difícil expressar em palavras o que isso significa para os autores, cujos avós foram assassinados em campos de concentração alemães. Portanto, realmente, com a ajuda do futebol, estão sendo criadas novas pontes”.
"Jogando juntos, nascem também novas ideias, como a publicação de antologias conjuntas", diz Norbert Kron. Isso aconteceu, por exemplo, na sequência de um jogo contra a seleção argentina, nas vésperas da última Feira do Livro de Frankfurt. Moritz Rinke afirma que esta é uma interação perfeita entre futebol e literatura. "Nós, autores, desta forma, podemos entrar em estádios maravilhosos, ter muitos espectadores e experimentar um belo gramado. Em troca, oferecemos leituras, estimulamos novas traduções. E a DFB pode sair dizendo por aí dizendo que é uma entidade que também desempenha um importante papel para a literatura", brinca.
Autor: Mirko Schwanitz / Marcio Damasceno
Revisão: Soraia Vilela