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Sensibilidade islâmica e massas movidas a mídia

(sm)9 de fevereiro de 2006

Intelectuais atuantes na Alemanha comentam a onda de violência desencadeada pelas polêmicas charges de Maomé.

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Protestos pacíficos em frente à embaixada dinamarquesa em LondresFoto: AP

A polêmica em torno das caricaturas de Maomé despertou as mais variadas reações e reflexões sobre liberdade de imprensa e expressão, sobre respeito a sentimentos religiosos e a relação entre Ocidente e Oriente islâmico. Na Alemanha, intelectuais e pesquisadores analisaram os recentes acontecimentos, sobretudo sob a ótica da globalização e da encenação midiática.

Aldeia global, tribos em guerra

Feuer und Flamme für Toleranz und Respekt
Manifestante em BeiruteFoto: AP

O que poderia levar uma provocação extremamente local, por parte de um pequeno jornal dinamarquês, a desencadear violentas manifestações de protesto contra o Ocidente em diversos países muçulmanos? A opinião dominante na Alemanha é de que o impacto das charges de Maomé não se deve primordialmente ao teor da provocação, pois a dimensão das reações seria impensável sem a dinâmica própria das mídias globais.

"Um choque de opiniões públicas emocionalizadas num palco global" é como o historiador Gustav Seibt descreve a espiral de revolta e violência provocada pelas charges do Profeta. "O mundo está ligado pela comunicação de forma abrangente, mas ainda bem longe de criar uma opinião pública agregada com padrões comuns de entendimento", comenta o historiador.

"O que acaba de se esboçar é o choque explosivo de não simultaneidades e assimetrias estruturais que não se deixam mais dominar e compensar pelos instrumentos tradicionais da política internacional."

Explosivos torpedos via celular

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Cybercafé no IraqueFoto: AP

Por mais que a opinião pública ocidental considere atrasada a ausência de ideais democráticos e igualitários em certas sociedades islâmicas, não há como negar que este "atraso" não as impede de se conectar à telefonia móvel e internet, comenta Seibt, lembrando que a propagação de torpedos SMS com notícias inverídicas sobre o Ocidente recentemente teve um papel importante na incitação das massas à violência.

"Um solo fértil para boatos, alucinações e teorias de conspiração, da maneira como tudo isso impera no Oriente Médio, por exemplo, é a junção de falta de liberdade com comunicação privada envolvendo milhões de pessoas, propaganda globalizada sob as condições da técnica moderna", conclui Seibt em artigo publicado no Süddeutsche Zeitung.

Script da histeria coletiva

A onipresença das mídias eletrônicas não apenas favorece a propagação e deturpação de notícias até o ponto de detonar uma histeria coletiva. Em ensaio publicado no mesmo jornal, o pesquisador de islamismo Navid Kermani igualou os recentes acontecimentos ao roteiro de um filme de luta global de culturas: "O recente conflito motivado pelas caricaturas exemplifica a capacidade de as emissoras ocidentais e não ocidentais se sintonizarem a ponto de gerar a histeria em massa sobre a qual elas mesmas noticiam".

O mais grave seria a capacidade de a mídia assimilar em seu sistema qualquer coisa que a possa relativizar. "Quem se pronuncia já faz parte do roteiro do qual todos têm que participar, tanto o crítico do islamismo quanto o representante muçulmano, tanto o crítico da mídia como o jornalista que reclama da crítica à mídia", acrescenta Kermani.

Globalização paralela e rituais tecnológicos

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Jovens muçulmanas em BerlimFoto: AP

"Protesto conforme o script" também é como o especialista malaio Farish A. Noor, perito em Islã e residente em Berlim, caracteriza os recentes acontecimentos. Para ele, a expansão de uma rede global de partidos, ONGs, grupos civis, mídias e agentes políticos muçulmanos representa uma "forma paralela da globalização".

"Observamos uma globalização paralela que funciona de acordo com os mesmos mecanismos que a globalização movida pelo capital. As emissoras muçulmanas, a internet e o cyberspace oferecem novos caminhos para mobilizar as massas e fomentar protestos – de maneira orquestrada e também ritualizada", resumiu o estudioso numa contribuição para o Financial Times Deutschland.

Salman Rushdie
Salman Rushdie, escritor britânico nascido na ÍndiaFoto: AP

Noor não vê nada de arcaico nos violentos protestos de radicais islâmicos. "Não se trata de nenhuma 'vingança divina' pré-diluviana", diz ele, "mas sim da era moderna mostrando todas as suas faces." As manifestações de massa contra o livro Versos Satânicos, do escritor britânico Salman Rushdie, teriam sido apenas um ensaio deste tipo de protesto que promete se tornar uma "forma de arte".

Da escola mista à teoria da evolução

O parlamentar europeu Daniel Cohn-Bendit, do Partido Verde, também acha que "as atuais manifestações de massa no mundo muçulmano não têm nada a ver com a publicação das caricaturas na Dinamarca". Para ele, as sociedades muçulmanas têm segmentos que podem ser facilmente mobilizados contra o Ocidente. E, para isso, o menor motivo bastaria, comentou ele, em entrevista ao diário berlinense taz.

Daniel Cohn-Bendit
Daniel Cohn-BenditFoto: AP

Para Cohn-Bendit, nem adiantaria a mídia levar em consideração os sentimentos religiosos dos migrantes muçulmanos: "Afinal, eles se sentem ofendidos tanto pelas caricaturas quanto pelos Versos Satânicos, de Salman Rushdie. Tomemos a argumentação dos muçulmanos aqui residentes que, apelando para seus sentimentos religiosos, rejeitam tanto a teoria da evolução como excursões escolares mistas. Como sociedade de imigração, não podemos levar isso em conta".