Será a arte insensível a desastres naturais?
13 de janeiro de 2005"O sofrimento provocado pelo homem tomou o lugar das catástrofes naturais na pintura", diz a historiadora da arte alemã Freya Strecker. "Antes da industrialização, os homens estavam à mercê da natureza e algo maior que uma catástrofe natural parecia impensável."
Hoje, a experiência da guerra e dos campos de concentração no século 20 exerceriam uma influência maior em artistas que enchentes ou terremotos.
Natureza como cenário
De 1750 a 1920, percebe-se uma outra postura, quando catástrofes naturais ainda eram a maior fonte de inspiração para artistas. "Ao contrário de seus colegas do século 20, os pintores ainda não haviam perdido o interesse na representação da natureza", argumenta Strecker.
"Principalmente naturalistas e realistas tinham como meta ressaltar o poder – por vezes violento – desses elementos." Pinturas que artistas como William Turner (1775–1851) ou Théodore Géricault (1791–1824) fizeram de dilúvios seriam os melhores exemplos de representação artística de catástrofes naturais.
Da mesma forma, o motivo do naufrágio – presente na pintura holandesa desde o século 16 – foi retomado por artistas do começo do século 20, especialmente por expressionistas como Max Beckmann (1884–1950).
Entretanto, para esse pintores, bem como em representações religiosas da Idade Média, da Renascença ou do Barroco, o objetivo não era, na opinião de Strecker, destacar a "crueldade da natureza".
"As representações de dilúvios feitas por Michelangelo no teto da Capela Sistina, assim como muitos trabalhos de contemporâneos seus, ilustram o tema pecado e culpa", argumenta. "O sofrimento humano é representado como conseqüência de um castigo aplicado por um Deus justo. Os pecadores estão sempre em primeiro plano, enquanto a catástrofe natural permanece cenário."
Concorrência da fotografia
Até existem casos isolados de artistas modernos que abordaram o tema das catástrofes naturais, como Emil Nolde (1867–1956) em seu quadro A Onda. Mas, entre artistas contemporâneos, outras formas de sofrimento assumem o primeiro plano. "Em Guernica, de Pablo Picasso, é a guerra; nas esculturas de Alfred Hrdlickas, é o sofrimento nos campos de concentração", lembra Strecker.
Outro motivo para o afastamento do tema poderia ser, segundo ela, a mudança do papel da pintura desde a invenção da fotografia. "A mídia traz uma quase-realidade à nossa sala de estar e os artistas então preferem oferecer impressões digeridas a representações originais."
A objetividade perde assim em significância, dando lugar a formas expressivas baseadas em sentimentos. "Apesar da freqüência crescente de catástrofes naturais, nos últimos 30 anos o meio ambiente vem sendo interpretado na arte como algo a se preservar, não como inimigo."