A diferença de apenas cinco pontos percentuais entre Lula e Bolsonaro foi uma enorme surpresa para jornalistas, analistas e cientistas políticos, já que as pesquisas feitas pelos mais conhecidos institutos apontavam que a distância entre os dois seria de pelo menos de dez pontos. A discussão sobre os erros pesquisas dominou o debate nos dias seguintes, e pouca gente comentou a dimensão mais decisiva das eleições de 2022: o efeito disruptivo que as eleições produziram no sistema partidário brasileiro.
Em 2018, a vitória de Bolsonaro produziu um primeiro choque no sistema partidário configurado em meados da década de 1990, cuja característica central era a polarização entre dois partidos (PT e o PSDB) nas eleições presidenciais.
O PT, força dominante no campo da esquerda enfrentou, em dez turnos sucessivos (1994, 1998, e duas vezes em 2002, 2006, 2010 e 2014) o PSDB, uma legenda de centro. Ao longo dessas duas décadas, os partidos conservadores, mantinham uma forte presença no Congresso e na política subnacional, mas não apresentaram candidatos competitivos nas eleições presidenciais.
A vitória de Bolsonaro em 2018 representou não somente a chegada, pela primeira vez de um nome da ultradireita à Presidência, mas também uma derrota das forças de centro-direita representados pelo PSDB, PMDB/MDB e PFL/DEM. O PSL, o partido de Bolsonaro, que tinha apenas sete representantes antes das eleições, sai das urnas como o mais votado para a Câmara dos Deputados, elegendo 52 cadeiras. É fundamental não perder de vista que a ascensão do PSL aconteceu, sobretudo nos estados do Sudeste e Sul, onde as bancadas do PSDB, PMDB e PFL tiveram fortes perdas.
Em um país federalista com diversos níveis de distribuição de poder partidário e com um número reduzido de candidatos à Presidência, a melhor forma de dimensionar o desempenho dos partidos é observar a votação para a Câmara dos Deputados.
Um sinal de reconfiguração do sistema partidário pode ser observado no desempenho das legendas que apoiaram a candidatura de Simone Tebet. Somados, os quatro partidos obtiveram apenas 72 cadeiras (14% da Câmara dos Deputados). Esse número é revelador do declínio dos partidos que ocupam o centro do sistema partidário; a vitória da direita aprofundou uma tendência de perda de espaço do MDB e PSDB, partidos que foram centrais para a configuração da ordem política pós-1988.
Lula obteve o apoio de todos os partidos esquerda (somente o PDT lançou Ciro Gomes) e de algumas pequenas legendas de centro-direita. O total das cadeiras dos partidos que apoiaram Lula é de 120 (23% do total).
Os grandes vitoriosos da eleição são os partidos de direita que somados elegeram 59% da Câmara dos Deputados. PL, PP e Republicanos, partidos que participaram formalmente da coligação de Jair Bolsonaro elegeram 187 deputados (36% do total). A direita que não apoiou Bolsonaro obteve 117 cadeiras (23%), concentradas em duas legendas União Brasil e PP.
Os partidos brasileiros de centro-direita têm segmentos pró-Bolsonaro e pró-Lula, como ficou claro na posição de diversos dirigentes do MDB, do PSD e do PSDB ao longo da campanha. E essas divisões já estão se refletindo nos apoios das lideranças e diretórios estaduais aos dois candidatos que disputarão o segundo turno. Por isso, a pura contabilidade das cadeiras das principais forças que disputaram a Presidência está longe de ser um indicador seguro a respeito de como os partidos se comportarão diante do novo presidente.
De qualquer modo, as eleições para a Câmara mostram alguns sinais claros da recomposição em curso do sistema partidário; esses indicam que a direita (na sua versão bolsonarista ou não alinhada à Bolsonaro) se tornou a força dominante da política brasileira, o centro-liberal perdeu relevância, e à esquerda observamos a consolidação do PT como força dominante, se distanciando em poder parlamentar de outras legendas.
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Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX.
Jairo Nicolau é cientista político e professor da FGV/CPDOC.