Sonhos das noites de verão
23 de julho de 2003Quem achar que os alemães são sérios e sizudos e vier para a Alemanha durante o verão, mudará de idéia ao mais tardar depois de presenciar a alegria geral com a chegada do calor, que este ano está exagerando, a ponto de provocar uma seca, com prejuízos para a agricultura e queda do nível dos rios.
Depois da Love Parade, em Berlim, e as festas de Christoph Street Day, as cervejarias ao ar livre (Biergarten) e os parques estão repletos. Nas cidades à beira do Reno e outros rios, as pequenas praias de areia são invadidas, principalmente nos fins de semana, por casais, famílias e jovens ansiosos de sentirem-se na praia e de férias mesmo sem sair do país.
Os piqueniques nos parques também estão na ordem do dia. Há quem vá de mesa, cadeiras e churrasqueiras portáteis, enquanto outros levam apenas uma toalha, utensílio indispensável para quem quer se bronzear. É no verão que estão cheios os jardins e hortas Schrebergarten :uma invenção alemã do século 19, que consiste em pequenos terrenos arrendados por 99 anos para quem quer cultivar suas frutas e verduras.
Se os adeptos da jardinagem pegam duro no batente e limitam o churrasquinho à família, os mais sociáveis usam também o espaço para convidar os amigos. As festas, aliás, atingem o auge. Com toda a euforia, a música alta vara a noite incomodando os vizinhos que, como bons alemães, em vez de irem pessoalmente reclamar, telefonam para a polícia. Consta que o calor recorde neste fim de semana deu muito trabalho à polícia em cidades como Colônia e Düsseldorf.
Cultura de short e bermuda
A idéia de transferir a vida cultural no verão para céu aberto não é nova. Festivais open-air sempre houve, o que num país como a Alemanha, dada as temperaturas das outras estações, só são possíveis no verão. Mas com o calor aumenta a oferta ao ar livre, mesmo porque poucos são os que se dispõem a passar seu tempo em recintos fechados, com o sol brilhando lá fora.
Assim, existe em Colônia há alguns anos um parque de esculturas ao ar livre, com 30 obras de arte expostas em meio ao verde. A cidade possui também o Tanzbühne, palco de concertos open-air onde já atuaram vários cantores e compositores brasileiros e latino-americanos. Mais ao sul, o "penhasco da Loreley", a sereia que fazia naufragar os navios no Reno, serve de palco para concertos de rock.
Em Dortmund, os teatros da cidade decidiram, este ano, encerrar a temporada com uma festa ao ar livre, neste fim de semana, no Westfalenpark, um gigantesco ginásio semi-aberto, usado para festas e manifestações de massa. Todas as companhias selecionaram flashes de sua programação, o que incluiu desde teatro propriamente dito, balé, teatro infantil e ópera, sem esquecer as orquestras. A oportunidade também serviu para fazer reclame do que virá na próxima temporada, por exemplo a peça "Em busca do tempo perdido", baseada em Proust.
De poemas, anjos e óperas
A lírica também se libertou de salas de conferências e bibliotecas. As "Casas da Literatura" de Berlim, Hamburgo, Frankfurt, Munique e Stuttgart promovem "Poesia na cidade", um fórum internacional de lírica. "Nós queremos abrir espaço e os ouvidos para os poemas e demonstrar que a poesia também tem condições de sobreviver nas ruas", disse Ursula Keller, de Hamburgo,a iniciadora do projeto. Em todas as cidades, o fórum foi encerrado com uma "Noite da Poesia", com recitação ao ar livre. Na Potsdamer Platz, em Berlim, o espetáculo transformou-se em multimídia, pois além da palavra incluiu também sons, dança e projeção de imagens.
A ópera também escapou dos teatros suntuosos e anda à solta. Em Munique, um telão na praça em frente ao Operhaus transmitiu Falstaff, de Verdi, sob a direção de Zubin Mehta. Verdi parece ser o favorito do verão: em Heidenheim, no sul da Alemanha, o público poderá ouvir Rigoletto e O Trovador ao ar livre, nas ruínas do castelo da cidade. Em Eutin, no norte do país, o festival de verão já tem uma tradição de 50 anos de evento ao ar livre. Aproveitando as férias de verão na maioria dos teatros de ópera, seus organizadores sempre conseguem trazer grandes nomes à cidade.
Cinema open-air não é novidade. Mas na Renânia do Norte-Vestfália, um grupo teve uma idéia curiosa: fazer apresentações itinerantes, escolhendo cenários especiais, de acordo com o filme. Assim, "A Lista de Schindler", sobre o Holocausto, será mostrado em Hattingen, por ocasião do encerramento de uma exposição sobre trabalhos forçados durante o nazismo. "A cidade dos anjos" combina mais com um mosteiro. Julia Roberts foge duas vezes do altar, em Rietberg, em meio a várias igrejas históricas. E no castelo de Hueslhoff, uma festa medieval com mágicos e saltimbancos cria o clima antes da apresentação de "O senhor dos anéis".
Guerra de índios, torneio de cavaleiros
Como a Idade Média nunca sai de moda e não faltam castelos e burgos na Alemanha, nada mais natural que aproveitar cenários históricos para a realização de Ritterspiele, os torneios de cavaleiros, oferecidos por toda a parte. Além do torneio propriamente dito, encenado por atores com as devidas armas e armaduras, o evento é acompanhado de apresentação de fanfarras e pantomima e uma feira medieval onde se pode comprar artesanato rústico em couro ou metal, ervas e elixires, ou então se banhar numa tina de madeira, como nos tempos em que não havia chuveiro ou banheira.
Outro evento popular, bem ao gosto das crianças, é o Festival Karl May, em Elspe. Sem conhecer os Estados Unidos, Karl May escreveu vários livros tendo por personagem o nobre índio Winnetou, com seu inseparável amigo, o branco Old Shatterhand. Como se não bastassem os livros, ambos foram imortalizados numa série de filmes, com o ator francês Pierre Brice no papel principal.
As aventuras de Winnetou podem ser presenciadas ao vivo no maior palco ao ar livre da Alemanha. Este ano a pela intitula-se "Entre os abutres". Tem índios entoando sua dança de guerra entre os espectadores, brigas e perseguições a cavalo, uma maria-fumaça em pleno palco e até uma carroça que termina voando pelos ares - recurso cênico só possível ao ar livre.