Sophia Loren como Madame Rosa, sobrevivente do Holocausto
25 de novembro de 2020Uma simples frase encerrando os créditos finais da produção cinematográfica Rosa e Momo (La vita davanti a sé) indica circunstâncias difíceis durante sua realização: "Este filme foi produzido durante a pandemia de covid-19 em 2020. O diretor e os produtores agradecem a todos os envolvidos por ele se tornar uma realidade."
O roteiro e a direção de Rosa e Momo ficaram a cargo de Edoardo Ponti, 47 anos, filho mais novo de Sophia Loren. Desde 1957, ela esteve casada com seu pai, Carlo Ponti, falecido em 2007.
Ponti pai, mundialmente famoso produtor de cinema italiano havia descoberto a jovem napolitana em 1950 durante um concurso de beleza em Roma. Reconhecendo o talento extraordinário de Loren, Ponti a colocou em aulas de atuação e fez dela um sex symbol do cinema. Como resultado, Loren atuou em mais de 100 filmes ao lado das maiores estrelas de Hollywood.
Edoardo Ponti – filho e diretor
Há dez anos que a mundialmente famosa diva das telonas, que possui duas estatuetas do Oscar em seu luxuoso domicílio em Genebra, não participava de nenhum filme. Ela simplesmente não se interessava pelos roteiros oferecidos. Coube a seu filho Edoardo trazê-la de volta para a frente das câmeras – aos 86 anos.
O longa foi rodado no final do verão europeu de 2019 na cidade portuária de Bari, no sul da Itália. Para Edoardo Ponti, esta já é a terceira produção com a mãe celebridade. "Todos os dias, em cada take, em cada momento de filmagem, ela faz tudo com um entusiasmo e uma espontaneidade como se estivesse gravando seu primeiro filme", diz Ponti entusiasmado com a colaboração.
"E ele me conhece tão bem", devolve ela com uma risada. "Ele sabe exatamente como apertar o botão certo para que eu execute o que ele tem em mente." Com o filho no comando, ela se sente em boas mãos no set de filmagens.
E assim ela pôde representar o papel de sua vida: "A razão pela qual fiz este filme é que Madame Rosa me lembra muito a minha mãe: por dentro, era frágil e vulnerável, mas para os outros, passava uma imagem forte", disse Loren durante uma entrevista para a TV no CBS-Morning-Show, programa matinal do canal americano.
Remake realocado para o presente
O roteiro foi baseado no romance A Vida Pela Frente (La vie devant soi, 1975), de Romain Gary. Na época, o livro provocou escândalo na França, pois o autor havia ganhado o prestigioso prêmio literário Prix Goncourt pela segunda vez – irregularmente, como se descobriu mais tarde, sob o pseudônimo de Emile Ajar. Em 1977, o romance foi adaptado para o cinema, com Simone Signoret no papel de Madame Rosa.
Desta vez, porém, o remake literário não está em cartaz no cinema, e sim na Netflix. Como cenário, Ponti optou pelo sul da Itália em vez de Paris, com a crise de refugiados dando um toque contemporâneo ao enredo.
A estreia se deu em Roma no início de 2020 ainda diante do público, mas a pandemia de coronavírus pôs um fim nos ganhos de bilheteria. A exibição em salas de cinema nos EUA – requisito para uma indicação ao Oscar – só foi possível sob rígidas limitações.
A Netflix, desde o início envolvida na produção, começou a exibir o filme em novembro. O sucesso mundial não demorou a chegar: quase meio milhão de telespectadores já viram o melodrama. É um filme pesado, comovente, de partir o coração.
A história é contada a partir da perspectiva de um menino muçulmano refugiado do Senegal que está preso no sul da Itália. Para sobreviver, ele se envolve em roubos e tráfico de drogas. "Tenho 12 anos. Meu nome é Mohammed. Todos me chamam de Momo", diz o rapaz africano em italiano. "Sou órfão. Quando era pequeno, o serviço de assistência a menores me entregou ao Dr. Coen."
Mas Dr. Coen, um médico judeu, está velho e cansado demais para cuidar de rebeldes crianças de rua. Ele decide então levar o menino até Madame Rosa, uma paciente dele. E eis que ela já conhecia esse Momo – ele havia roubado sua bolsa na rua.
Atuação digna do Oscar
Madame Rosa é uma beldade em idade avançada que, em vista de seu passado no mundo da prostituição, resolveu se dedicar a cuidar de crianças filhas de prostitutas. Com um avental gasto, a estrela de cinema Sophia Loren interpreta Madame Rosa com notável grandeza e uma paixão ardente. As mães não têm tempo para seus filhos indesejados e precisam trabalhar duro para obter o dinheiro necessário para que eles tenham também com quem ficar.
Loren, nascida em 1934 num subúrbio da cidade portuária italiana de Nápoles, vem, como o Momo do filme, de origens pobres. Quando criança, ela sentiu na própria pele a pobreza, a fome e a guerra. No papel de Madame Rosa, de uma maneira gentil, mas ao mesmo tempo austera, ela tenta persistentemente fazer com que o menino aceite as regras para viver em harmonia com a família substituta.
Momo é interpretado por Ibrahima Gueye, que, até então, nunca havia estado em frente às câmeras: autêntico, precoce, resoluto e repleto de empatia infantil. Quando o menino acidentalmente descobre o número do campo de concentração tatuado no braço de Rosa, ela calmamente conta a ele sobre suas terríveis memórias de infância em Auschwitz: os médicos dos campos de concentração a haviam torturado com experimentos científicos.
Idade perfeita para o papel
Quando os demônios do passado não a deixam dormir, Madame Rosa se esconde no porão do cortiço. "Em Auschwitz, sempre me escondia debaixo dos barracões quando havia chamada", relata ela ao jovem africano. Seu cabelo grisalho despenteado e seu olhar perturbado dão uma ideia do que está passando pela sua mente. "Aquele era o meu abrigo; lá eu me sentia segura. Eu tinha a mesma idade que você, Momo."
Todos precisam de apoio familiar neste filme melodramático: crianças, prostitutas, jovens traficantes – e o contrabandista de tapetes muçulmano, em quem Madame Rosa tanto gosta de jogar seu charme já um tanto esmaecido. Todos eles conhecem a amarga sensação de ser um cidadão de segunda classe. Assim como a corajosa Lola, outra prostituta que também deixa o filho aos cuidados de Madame Rosa e que é grandiosamente representada pela transgênero espanhola Abril Zamora, estrela do mundo LGBTQ.
Em Rosa e Momo, Sophia Loren, a estrela de cinema mais famosa da Itália, mudou sua imagem de diva glamorosa. Através de pequenos gestos e uma postura humilde, ela confere dignidade e beleza eterna à sobrevivente judia do Holocausto. No papel de Rosa, reside a esperança de um terceiro Oscar na carreira da atriz de 70 anos, conforme atestam público e crítica.
"A aparência não é tão importante", disse Loren numa entrevista recente à emissora americana CBS. "Mais importante é o que você tem para oferecer – em seu coração e em sua alma. Isso é o que importa na vida." E é exatamente isso que "la mamma" Sophia Loren oferece aos telespectadores da Netflix – de forma comovente e com grande intensidade teatral. Lindo de chorar.