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STF dá mais tempo a Dilma

Jean-Philip Struck14 de outubro de 2015

Judicialização da disputa em torno do impeachment dá alento para que presidente reforce sua posição, mas ainda permite que Cunha possa forçar abertura de processo, reforçando imprevisibilidade da crise política.

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Foto: Getty Images/AFP/E. Sa

Estava tudo pronto para um "Dia D" na crise política que sacode o Brasil. O influente presidente da Câmara dos Deputados e principal inimigo do governo, Eduardo Cunha, havia deixado claro que nesta terça-feira (13/10) analisaria finalmente uma série de pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Depois de meses de especulações, a crise parecia finalmente caminhar para um momento decisivo sobre o futuro da frágil Presidência de Rousseff.

No entanto, os acontecimentos seguiram o mesmo roteiro de imprevisibilidade que vem marcando a política brasileira nos últimos meses e levantaram ainda mais dúvidas sobre o que deve acontecer nos próximos dias. No final, em vez de uma decisão definitiva sobre o impeachment, a crise política ganhou um novo ator: o Judiciário.

Nas primeiras horas desta terça-feira, o roteiro começou a desviar quando Cunha mudou de ideia e decidiu adiar a análise ao ser aconselhado pela oposição, que queria dar mais tempo para que os autores de um dos documentos pudessem incluir mais dados para embasar o pedido. Nas horas seguintes, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal (STF) entrar em cena e judicializar a crise ao conceder três liminares que suspenderam uma manobra articulada entre Cunha e a oposição para que esse pedido fosse votado em plenário – um dos passos para a instalação de uma comissão que poderia dar início a um processo de impeachment.

Com as liminares, Cunha e a oposição devem repensar a estratégia – e também devem abrir uma nova frente de combate, desta vez no Judiciário, para tentar reverter essas liminares, que ainda aguardam ser ratificadas pelo plenário do STF, algo que só deve ocorrer em novembro.

Inicialmente, as duas partes pretendiam fazer hoje uma espécie de encenação para prosseguir com a tentativa de impeachment. Cunha rejeitaria os pedidos e a decisão seria então contestada pela oposição, que levaria o assunto para o plenário, onde uma manobra regimental acertada por Cunha em setembro determinou que apenas uma maioria simples (metade dos deputados mais um) seria suficiente para instalação da comissão.

Agora, o STF determinou que Cunha – e mais ninguém – é quem deve decidir se algum dos pedidos enviados à Câmara que acusam a presidente de crime de responsabilidade tem respaldo e merece ser analisado por uma comissão.

A decisão do STF representa em um primeiro momento um alento para o Planalto, já que permite que o governo consiga mais tempo para negociar com os rebeldes da sua base aliada e assegurar que a oposição e Cunha não tenham os votos necessários para abrir um processo de impeachment. Ao mesmo tempo, membros do governo torcem para que, nesse meio tempo, o pacto entre Cunha e a oposição – que vem poupando o deputado em troca de engrossar as fileiras pelo impeachment – acabe rachando em breve diante das seguidas denúncias de corrupção que todas as semanas aparecem contra o presidente da Câmara.

Cunha

Paradoxalmente, ainda que o tempo pareça estar correndo contra Cunha e a decisão do STF tenha sido uma derrota tática, as liminares deixaram o poder dele intacto e, dessa forma, até aumentaram a sua influência. Pelo menos nos próximos dias, tanto a oposição quanto o governo devem cortejar ainda mais o suspeito de corrupção Cunha para tentar influenciar a sua decisão e tê-lo ao seu lado.

Interlocutores de Rousseff vem tentando selar um acordo para chegar a um acordo de paz com Cunha, mas parlamentares do PT e ministros do governo admitem que é praticamente impossível negociar com agressivo presidente da Câmara. Antes da decisão do STF, vários membros do governo davam a abertura do processo de impeachment como certa.

Caso esse cenário não mude e Cunha decida encaminhar um dos pedidos de impeachment, a expectativa no governo é que os deputados do PT e os aliados ainda fiéis devam finalmente "tirar as luvas" e se juntar ao movimento que pede o afastamento e até mesmo a cassação do deputado. Até o momento, o governo Dilma vem poupando Cunha por temer sua influência.

E a pressão para que o Planalto parta para a briga teve um empurrão nesta terça-feira, quando metade da bancada dos 62 deputados do PT na Câmara se antecipou ao governo e assinou um pedido para a cassação do mandato do deputado.

Uma disputa política ainda mais explícita, no entanto, ainda levanta dúvidas sobre o que deve acontecer com Dilma e Cunha – cujos destinos parecem mais interligados do que nunca.

Para Cunha, empurrar o impeachment e atrair a fúria do Planalto pode finalmente selar o seu fim. Ao mesmo tempo, o deputado pode também atrair a oposição contra si caso chegue a um acordo com o Planalto e decida pelo arquivamento dos pedidos de impeachment. E mesmo o seu poder de criar diretamente uma comissão para analisar o impeachment o deixa mais exposto. "Agora, todo o ônus de aceitar um pedido de impeachment recai sobre ele", afirma Rubens Glezer, professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.

Rousseff

Sobre Rousseff, pesam dúvidas sobre quais vão ser as ações e o alcance do seu poder para frear o impeachment se o processo começar, mesmo que Cunha venha a cair em breve. A presidente ganhou tempo, mas não se sabe se ela vai saber aproveitá-lo.

Nos últimos meses, Rousseff demonstrou inabilidade para lidar com a crise. Em seguidos episódios ao longo de 2014, a tensão política que tomou conta do Brasil teve momentos de calmaria e parecia caminhar para um fim previsível, mas uma série de erros do Planalto fez com que ela voltasse a crescer. Analistas vêm apontando repetidamente que o perfil da presidente, pouco afeita a negociar e a escutar conselhos, agravou a situação.

Ao longo do ano, Dilma foi lenta em ceder nas negociações com aliados e cercou-se de figuras desprezadas por outros políticos. Também isolou figuras que tinham credibilidade para lidar com a Câmara e conter a rebelião em sua base aliada, como o seu vice-presidente Michel Temer – que no momento age como mero espectador da crise. Ao mesmo tempo, a presidente poupou Cunha sem ganhar nada em troca.

Só recentemente a presidente acabou cedendo ao seu padrinho político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e aceitou conselhos para recompor seu governo. Acabou dando vazão a uma enxurrada de nomeações para cargos públicos com o objetivo de acalmar seus aliados. A decisão, porém, até agora não conseguiu frear a força do movimento que pede sua saída.

"No final do dia, o governo ganhou mais tempo e Cunha reforçou ainda mais o seu poder. Tudo continua indefinido. Está tudo aberto", afirma o cientista político Carlos Pereira, da FGV do Rio de Janeiro.