Jornal 'Bild': 60 anos de popularidade e polarização
24 de junho de 2012As manchetes sempre foram a especialidade do jornal. "Somos Papa", estampou o jornal Bild em 2005, quando o alemão Joseph Ratzinger foi escolhido Sumo Pontífice da Igreja Católica. Uma combinação de pretensão e formação de identidade coletiva. Quem escreve para o Bild tem que dominar a arte da concisão.
"Uma manchete do Bild é sempre boa quando é exclusiva. Ou quando mexe com os sentimentos das pessoas. E podem ser também manchetes que resultam de acontecimentos trágicos", diz Kai Diekmann, editor-chefe dotabloide. No dia seguinte aos atentados ao World Trade Center, por exemplo, a redação do jornal optou pela oração no título: "Deus esteja conosco". O que sintetizava os sentimentos da maioria dos leitores.
De apolítico a pioneiro da Reunificação
A primeira edição, que chegou às bancas no dia 24 de junho de 1952, tinha apenas quatro páginas. Axel Springer, fundador do diário, inspirava-se na imprensa marrom britânica: muita foto, pouco texto, temas populares. Em menos de um ano, o Bild Zeitung já atingia uma tiragem de 500 mil exemplares diários. A política era um assunto deixado de lado.
Isso acabou mudando com a construção do Muro de Berlim. "Ocidente não faz NADA!" era a acusação na primeira página, rodeada de uma cerca de arame farpado. Desde então, o Bild assumiu um perfil mais político. Seu fundador e redator-chefe Axel Springer passou a defender cada vez mais, através de seu próprio jornal, uma política alemã própria.
Isso se opunha à linha de Konrad Adenauer, chefe de governo da República Federal da Alemanha entre 1949 e 1963, que era a de uma integração gradual do país ao bloco ocidental. Logo, Springer passa a pleitear a reunificação do país. Hoje, interferências em assuntos políticaos fazem parte do perfil do jornal. E seus leitores continuam fiéis.
Bild também atirou?
Durante os protestos estudantis do fim dos anos 1960, o Bild não somente acompanhou jornalisticamente o período histórico, como se tornou alvo da crítica dos estudantes. Após o atentado a bala contra o carismático líder estudantil Rudi Dutschke, milhares de pessoas foram às ruas, em diversas cidades da Alemanha, portando cartazes com os dizeres: "O Bild atirou junto".
A redação do jornal em Munique é devastada e sua tipografia em Hamburgo bloqueada. A tiragem cai em 1 milhão. O jornal defende apoia totalmente a violência praticada pelo Estado. Mas os redatores se mostram flexíveis. A política é deixada um pouco de lado, em favor de mais matérias sensacionalistas.
Inclusive através do uso de meios duvidosos, como provou o escritor Günter Wallraff, que trabalhou sob nome falso numa redação do jornal. "O Bild se intromete na esfera privada, até mesmo na intimidade das pessoas", afirmou Wallraf, que diz possuir várias cartas de despedida de pessoas que se mataram por causa das histórias caluniosas do jornal, e que o responsabilizam pelo desfecho.
Poder dos jornais populares
O Bild tem poder. Quem dá as cartas em Berlim não pode se dar ao luxo de ignorar o tabloide provocador. Para Friedhelm Ost, porta-voz do governo de Helmut Kohl no fim dos anos 1980, a leitura diária era obrigatória. Pois para Ost as manchetes determinavam de certa forma o clima no país.
Até mesmo as representações diplomáticas estrangeiras em Berlim estudavam ao jornal expresso, confessa Rob Ellis, da embaixada britânica na capital alemã. Eram passadas adiante sobretudo as opiniões e temas selecionados: isso interessava aos funcionários e políticos em Londres.
Ninguém definiu com tanta precisão a importância do Bild Zeitung para a formação de opinião na Alemanha, quanto o ex-premiê Gerhard Schröder, que sem muitos rodeios declarou só precisar de duas coisas para governar: o Bild e a televisão. Todo o Parlamento alemão se curva frente ao Bild, afirmou certa vez o diário berlinense alternativo TAZ, que se envolveu em embates jornalísticos frequentes com o tabloide.
Georg Streiter, vice-porta-voz da chanceler federal, Angela Merkel, avalia de maneira distinta a importância do jornal. Segundo o ex-redator do diário, este não exerce um poder direto, mas tem a função de determinar a agenda política. Quando o Bild deixa de tocar num determinado tema, muitos políticos respiram aliviados. No geral, contudo, o Bild está bem mais sério hoje, menos sangrento e brutal do que antes, avalia Streiter.
Quando a mídia derruba políticos
De vez em quando, o Bild destrói grandes nomes da política – especialmente quando estes se voltam contra ele. A saída do ex-presidente Christian Wulff do cargo pode ser creditada não apenas a seus erros objetivos, mas também à campanha do Bild contra o chefe de Estado, que se estendeu por semanas.
Como governador do estado da Baixa Saxônia, por muito tempo Wulff fora considerado amigo do veículo popular. Gregor Gysi, do partido A Esquerda no país, acredita que, ao assumir a presidência, Wulff de repente passou a acreditar que poderia passar sem o cordial acompanhamento midiático da redação do Bild. E o jornal quis provar que ele estava errado, completa Gysi. Enfim: mais uma confirmação para quem sempre afirmara que é possível governar bem com o Bild, mas jamais sem ele.
Certo é que, com seus aproximadamente 12 milhões de leitores, o tabloide é uma instância estabelecida na sociedade alemã. Uma instância de que muita gente pode não gostar, mas que é obrigada a aceitar como fato.
Autores: V. Wagener / W. Dick (sv)
Revisão: Augusto Valente