"Tenho medo de uma guerra civil", diz ativista egípcia
15 de agosto de 2013Em meados de 2012, a ativista egípcia Nihal Saad Zaghloul iniciou o Movimento Bassma ("estampa", ou "marca", em árabe) para ajudar a acabar com casos de assédio sexual e agressão nas ruas do Cairo.
Em entrevista à DW, ela diz agora que os resultados dos atuais massacres só irão trazer mais sofrimento e violência às ruas e que os manifestantes islâmicos não deverão permanecer nas prisões, como aconteceu na década de 1990.
Eles continuarão a lutar e procurarão vingança, afirmou a ativista, dizendo que seu grande medo é que uma guerra civil se instaure no país. Abaixo, a íntegra da entrevista.
Deutsche Welle: Como você vivenciou os acontecimentos de seu quarto no centro do Cairo, a apenas 10 minutos da praça Rabaa al-Adawiya, onde estava o maior acampamento de protesto da Irmandade Muçulmana?
Nihal Saad Zaghloul: Acordei com tiros e pessoas gritando na rua que o Exército estava atirando nelas. As pessoas estavam correndo, gritando e chorando. Então comecei a checar [as redes sociais] o Facebook e o Twitter. Foi quando eu soube que o Exército e a polícia estavam atacando – eles começaram às 6h. Por volta das 7h, eles já haviam evacuado completamente o acampamento na praça al-Nahda [outro grande acampamento], e eles ainda estavam tentando dispersar o protesto na praça Rabaa, que fica bem próxima da minha casa. Liguei para os meus amigos e eles disseram que se tratava de um segundo massacre, e que os atiradores estavam disparando sobre eles. E eles me disseram que estavam cercados.
Em resposta à remoção violenta dos acampamentos em Nahda e Rabaa nas primeiras horas da manhã da quarta-feira (14/08), a Irmandade Muçulmana pediu protestos de solidariedade nas ruas nesta quinta. Sua casa fica a apenas 10 minutos do acampamento Rabaa. O que você viu de sua janela?
Havia manifestantes vindo de todos os lados. Assim que as pessoas corriam em direção à minha rua, elas eram alvejadas, de forma que tinham que voltar e não puderam ajudar as outras pessoas no acampamento. O Exército começou a disparar gás lacrimogêneo sobre eles, então alguns deles começaram a pegar pedras e jogá-las na polícia. Os policiais responderam com gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição letal.
Enquanto isso, a evacuação do acampamento na praça Rabaa al-Adawiya continua. Que notícias você pôde obter de seus amigos que ficaram presos lá dentro?
Até agora, os irmãos de dois velhos amigos da universidade foram mortos. Um deles tinha 19 anos e o outro era da minha idade, acredito que tinha vinte e poucos anos. Eles foram mortos. Eles não eram terroristas. Eu os conhecia muito bem, eu conheço a família deles. Nós comemos juntos, nós trabalhamos juntos, nós fazemos trabalho voluntário para fazer essa sociedade melhor. Eles não mereciam ter morrido daquela forma.
Você postou uma mensagem no microblog Twitter dizendo que "não se trata mais de ser pró ou contra Morsi. Trata-se, agora, de ser pró ou contra a humanidade." O que você quis dizer com isso?
Muitas pessoas estavam justificando [a morte de apoiadores da Irmandade Muçulmana]. Mas as pessoas em Rabaa eram seres humanos, eles não eram terroristas, não eram pessoas que praticaram qualquer tipo de vandalismo no passado. Nós não devemos puni-los pelos erros dos outros. Eu não estou dizendo que os manifestantes islamistas fizeram tudo certo, mas ao mesmo tempo eu não posso penalizar alguém pelo crime de outra pessoa. A generalização de que "todos eles são maus" é o que está nos metendo nessa confusão. Quando você vê outro ser humano sendo morto, você não para e pergunta: "Qual a filiação política dele?", "A que religião ele pertence?", antes de você decidir se vai ajudar ou não. Era isso que eu queria dizer.
Mesmo sendo uma muçulmana que usa o véu, você criticava o presidente Mohamed Morsi e sua política. Você ficou contente quando a intervenção militar resultou em sua expulsão, no mês passado?
Não. O que eu esperava era que as pessoas iriam derrubá-lo politicamente. Nós estávamos pressionando o governo para que antecipasse as eleições parlamentares. Uma vez que o Parlamento tivesse sido eleito, podia-se fazer pressão sobre ele – sobre os representantes – para retirar Morsi. Era possível ter tido um Parlamento, uma Constituição e tudo mais. Se fomos capazes de mobilizar todas aquelas pessoas em 30 de junho, então teríamos sido capazes de mobilizar pessoas para eleger os candidatos delas.
Você é ativista e protesta há vários anos. Quando você começou a protestar na praça Tahrir, durante a Primavera Árabe em 2011, qual eram as suas esperanças?
Eu ansiava por uma vida melhor, eu ansiava por igualdade, desenvolvimento social e justiça. Essa era a minha esperança.
E onde estão essas esperanças agora?
O resultado desse massacre só vai trazer mais sofrimento e violência às ruas. Violência gera mais violência. Não se pode corrigir um erro com outro erro. Se pensarmos que a Irmandade Muçulmana ou os islamistas voltarão para as prisões, como aconteceu na década de 1990, então estamos errados. Eles continuarão a lutar, e muitas outras pessoas irão morrer.
O que me amedronta é o terrorismo real que virá após o massacre. Gostemos ou não, nós não podemos exterminá-los e muitas pessoas irão querer vingança. Nos últimos 30 anos, o Egito tem sido governado pela força, não pela lei. No Egito, todos – os políticos e os apoiadores desses políticos – estão armados. Haverá uma nova guerra. Tenho medo de uma guerra civil. Eu quero que esse derramamento de sangue chegue ao fim, mas eu não sei como isso vai acabar agora.