A Uefa não se cansa de alardear em suas campanhas marketeiras o quanto está empenhada na luta contra homofobia e racismo. Uma delas chama-se Respect. É um programa de responsabilidade social cujo principal objetivo é trabalhar pela inclusão e diversidade no futebol independentemente de gênero, nacionalidade, etnia e religião.
Na atual Eurocopa, as boas intenções da entidade quanto à luta por respeito e integração de pessoas da comunidade LGBTQI+ foram postas à prova. Tudo começou com a braçadeira do capitão alemão Manuel Neuer, ostentando orgulhosamente as cores do arco-íris na partida entre Alemanha e Portugal.
Por incrível que possa parecer, a Uefa começou uma investigação para determinar se a tal braçadeira representa um símbolo político. Em caso afirmativo, caberia punição, mesmo porque oficialmente a entidade diz ser neutra quando o assunto é política. Acredite se quiser.
Só o fato de haver uma investigação desse tipo já causa estranheza. Diante dos inúmeros protestos na mídia e nas redes sociais, os integrantes da comissão investigadora deixaram barato e chegaram à óbvia conclusão de que se tratava de um posicionamento pela diversidade.
Não bastasse esse inquérito constrangedor, a Uefa negou à prefeitura de Munique o direito de iluminar a icônica Allianz Arena com as cores do arco-íris para a partida entre Alemanha e Hungria sob a alegação de que se trataria de uma manifestação política. É um argumento hipócrita.
Hipócrita porque na sua própria homepage essa organização aborda temas políticos sem cessar. Lá se encontram, por exemplo, categorias como World Refugee Day, Social Responsability e Equal Game. Em outras palavras: a Uefa não hesita em se comunicar politicamente quando é do seu interesse, mas quando não é, proíbe toda e qualquer manifestação.
Todo absurdo dessa proibição começa com o fato de que o governo municipal de Munique precisou pedir uma autorização à Uefa para realizar uma atividade na sua própria cidade. Factualmente isto significa que a prefeitura e o conselho municipal delegaram parte de sua soberania sobre Munique a uma entidade privada durante todo o período da competição.
Não restou alternativa a não ser acatar à determinação do organizador do evento por conta de contratos previamente celebrados, e as manifestações pela diversidade e integração com a bandeira do arco-íris acabaram se restringindo a iniciativas dos próprios cidadãos da capital bávara, como se viu nos meios de transporte público, cafés e restaurantes, torres de igrejas, nas estações de trem e metrô, além de outros locais públicos. Até carro de polícia circulou pela cidade com bandeirolas do arco-íris. No estádio foram distribuídas bandeirinhas do movimento LGBTQI+. E claro, Manuel Neuer foi a campo com a braçadeira colorida.
Diante de uma nova onda de protestos, a Uefa se sentiu constrangida a divulgar um comunicado, no qual tenta reafirmar seu compromisso com a diversidade e os direitos humanos. A emenda ficou pior que o soneto. Depois de algumas belas palavras sobre seu compromisso com os valores representados pelas cores do arco-íris, meteu os pés pelas mãos ao tentar justificar a proibição da iluminação do estádio com as cores do movimento LGBTQI+. Ninguém entendeu nada, e a entidade foi alvo de um gigantesco shitstorm nas redes sociais.
Especula-se nos bastidores que por trás da proibição esteja um cálculo político. O único país que permite estádios completamente lotados na Eurocopa 2020 é a Hungria, com sua moderníssima Puskás-Arena em Budapeste. Em 2019, na inauguração do novo estádio, um dos convidados foi Alexander Ceferin, presidente da Uefa. Na ocasião, não economizou elogios: "Esta arena será a joia da coroa do futebol húngaro por muitas décadas." Um ano antes, a entidade já havia definido onde seria a final da Liga Europa em 2023. Será em Budapeste.
Ceferin desconfia que o governo britânico não vai flexibilizar suas restritivas regras sanitárias impostas por causa da variante delta do coronavírus. As semifinais e a final da Eurocopa serão realizadas em Wembley e se não houver uma maior flexibilização das atuais restrições especialmente para todo pessoal da Uefa, patrocinadores em geral e VIPs de toda sorte, o presidente da Uefa já tem uma carta na manga.
Nesse caso, Budapeste se apresentaria como melhor alternativa. Na Hungria praticamente não há restrição alguma. A Puskás-Arena está sempre lotada, bem a gosto da Uefa, e o governo do populista de direita Viktor Orbán estenderia um tapete vermelho para cartolas, empresários e políticos da Europa.
Esse cálculo político pode explicar a proibição de iluminar a Allianz Arena com as cores do arco-íris porque o governo húngaro acabou de baixar uma lei que limita o acesso à informação para adolescentes sobre homossexualidade e transexualidade. Na visão de muitos países da União Europeia, é uma lei que claramente descrimina pessoas.
Pelo menos nesse caso, para a Uefa foi mais importante manter as boas relações políticas com o regime de ultradireita vigente na Hungria do que marcar posição firme e inequívoca pelos direitos da comunidade LGBTQI+.
A Uefa preferiu as trevas do obscurantismo em vez de optar pelas luzes do arco-íris.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças.