Treinamento é fundamental para lidar com o ebola, diz médico da Fiocruz
16 de outubro de 2014Nesta quarta-feira (15/10), Souleymane Bah, o primeiro caso de paciente com suspeita de ebola no Brasil, recebeu alta do hospital da Fiocruz, no Rio de Janeiro, após dois exames descartarem a hipótese da doença.
Ainda que não confirmada, a suspeita serviu como uma espécie de teste para o Brasil. Segundo o médico responsável pelo caso, José Cerbino, a experiência permitiu aprofundar o treinamento das equipes de saúde.
"Os equipamentos de proteção são necessários, mas não são suficientes. Se as pessoas não estiverem muito bem treinadas na utilização deles, há o risco de contaminação", afirma Cerbino, vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI).
Para o médico, o Brasil tem uma enorme desigualdade em serviços de saúde, o que significa um maior risco de contágio em locais onde não há infraestrutura. "Toda unidade de saúde precisa estar preparada para identificar o caso e tomar as primeiras medidas", afirma.
Nas últimas semanas, Estados Unidos e Espanha tiveram os primeiros casos de transmissão da doença fora da África. Três enfermeiras foram contaminadas ao tratar de pacientes com ebola.
O guineense Bah, de 47 anos, havia chegado ao Brasil vindo da Guiné, na África Ocidental. Ele apresentou alguns sintomas da doença e foi internado na última quinta-feira (09/10) no isolamento de uma Unidade de Pronto Atendimento, em Cascavel (PR). Na madrugada da sexta-feira, o paciente havia sido transferido para o INI, no Rio de Janeiro.
DW: Quais lições foram aprendidas com essa experiência de ter um paciente com suspeita de ebola no hospital?
José Cerbino: Uma das principais lições foi o treinamento da equipe, que é fundamental. Os equipamentos de proteção são necessários, mas não são suficientes. Se as pessoas não estiverem muito bem treinadas na utilização deles, há o risco de contaminação. É um procedimento complexo, são muitos passos que devem ser dados, de forma correta e na ordem correta. É um grande desafio, não é simples fazer essa contenção da transmissão.
O que a sociedade brasileira aprendeu com o caso?
A comunicação de risco, a forma de passar essas informações para a sociedade. A gente viu que houve manifestações de preconceito, então, isso precisa ser mais bem trabalhado, porque, em outras situações, podemos ter repercussões mais sérias.
Quais outros benefícios essa experiência pode ter trazido para o Brasil?
Acho que foi bom chamar a atenção para a possibilidade de entrada desses pacientes em qualquer lugar. Porque antes o foco estava nas unidades de referência, nas cidades turísticas, nos portos e aeroportos. E a gente viu que o caso foi identificado no interior do Paraná, em um local onde não se esperava essa situação. Então, o aprendizado é que toda unidade de saúde precisa estar preparada para identificar o caso e tomar as primeiras medidas.
Como era o clima entre os funcionários de saúde, já que havia o risco de contaminação e era a primeira vez que estavam lidando com isso?
Não havia medo, mas uma preocupação, sim. O que é até desejável, porque isso faz com que as pessoas fiquem mais atentas aos protocolos. Em geral, os problemas ocorrem quando as pessoas ficam muito confiantes.
Estamos vendo casos de enfermeiros contaminados nos EUA e na Espanha. O senhor identificou falhas no protocolo de segurança usado no caso brasileiro?
Não identificamos nenhuma falha, tudo correu bem. Existe sempre o risco, porque a gente não sabe como foi a contaminação dos profissionais nos EUA, a exposição ainda não foi descrita. E sempre há melhorias a se fazer no processo: nos tempos de entrada e saída, na disposição do espaço utilizado e na forma de armazenamento do material.
Como é o protocolo de segurança adotado no Brasil?
A OMS [Organização Mundial da Saúde], os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e os Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm, cada um deles, uma recomendação própria. O nosso protocolo foi desenvolvido internamente, com base na literatura disponível. Fizemos uma adaptação para a nossa realidade, para a área exata onde o paciente ia ficar e o tipo de material disponível. Os MSF usam um protocolo bem mais rigoroso do que o da OMS e o do CDC, e o nosso é mais próximo do método da ONG.
Entram sempre três pessoas para cuidar do paciente. Há um supervisor que fica observando a colocação e a retirada dos equipamentos de proteção individual, o que é fundamental para identificar falhas. Dentro do quarto do paciente, um dos profissionais supervisiona a atividade dos outros, para evitar uma exposição.
Então, cada centro de saúde tem o seu próprio protocolo?
Sim, cada unidade teria que definir o seu próprio protocolo. Isso tem que ser feito em conjunto com as secretarias estadual e municipal de saúde. Mas os planos têm que ser adaptados para a realidade de cada unidade.
Como isso funciona em locais que não são centros de referência, como Cascavel?
A informação que tivemos é que as medidas foram corretas. Eu acho que é louvável que eles tenham identificado e classificado o caso como suspeito, terem colocado o paciente em isolamento e tido a iniciativa de notificar o caso imediatamente. Porque a gente vê em outros países erros ocorrendo dessa forma, o paciente chegando sintomático e sendo mandado para casa. Isso aumenta o tempo de exposição de outras pessoas. Por isso, eu acho que eles fizeram o melhor trabalho possível.
Na sua opinião, o que o Brasil precisa fazer para combater o ebola?
Aqui a infraestrutura é muito heterogênea. Há cidades e hospitais bem preparados, e outros sem nada. Então, é preciso homogeneizar isso. Todos os locais devem ter um plano bem definido e ensaiado de como conduzir uma situação como essa.
É mais importante o reforço do treinamento das equipes ou a compra de materiais, no caso do Brasil?
A gente verificou que o consumo dos equipamentos de proteção individual é bem alto durante uma internação. Então, é importante que exista um estoque estratégico, preparado, para caso a gente tenha um número inesperado de casos. Mas, em geral, o mais importante mesmo é a sensibilização e o treinamento das pessoas. Porque uma pessoa mal treinada com todos os equipamentos tem um risco maior que uma pessoa bem treinada com poucos equipamentos
E que o Brasil deve fazer para prevenir o ebola?
Este é um desafio comum a todos os países. Precisamos pensar na melhor forma de identificar precocemente os pacientes vindos dessas áreas e que desenvolvem sintomas. Era fundamental mapear onde essas pessoas estão circulando, para que se possa identificar rapidamente um indivíduo com sintomas. O controle no aeroporto, que é muito mencionado, tem eficácia questionável, porque a maioria dos pacientes vai passar assintomático. Além disso, o fato de não estar com febre não significa que a pessoa não está doente ou não está transmitindo.