Trio harmônico: diferenças à parte
31 de agosto de 2004A conferência de cúpula entre os chefes de Estado da Alemanha, França e Rússia decorreu como um fim de semana entre amigos. Na segunda (30), Schröder e Putin caminharam sorridentes sob o sol que brilhava na praia de Sochi, no Mar Negro, acompanhados apenas pela cadela do presidente russo, a labrador Coni. Ao anoitecer, os dois amigos jantaram aos sons da balalaica, até que Putin convidou Schröder a passar a noite em sua residência de férias.
O presidente francês, Jacques Chirac, deveria completar o trio, se não tivesse adiado sua presença para a terça-feira (31), devido a complicações envolvendo os dois jornalistas franceses seqüestrados por terroristas no Iraque. O trio então discutiu por três longas horas, no terraço de Putin com vista para o mar, algumas das mais sérias questões do planeta.
Alemanha manteve "diplomacia silenciosa"
Ninguém se lembrou do pedido feito por organizações humanitárias, para que os políticos aproveitassem a ocasião para criticar a política praticada pelos russos na Chechênia. Berlim preferiu manter a linha da "diplomacia silenciosa", considerando os problemas na república rebelde como um assunto interno russo, que no final das contas não lhe diz respeito. Com a França, não foi diferente.
Enquanto isso, Putin aproveitou para reafirmar sua tese de que existem conexões entre rebeldes chechenos e a rede de terroristas Al-Qaeda, utilizando como deixa a queda recente de dois aviões russos, que causou a morte de 90 pessoas. Putin disse estar até disposto a negociar, "desde que a integridade da Federação Russa não seja questionada".
O segundo grande tema no programa foi a segurança no Iraque. Com o seqüestro dos dois franceses, terroristas escolheram como alvo um país que, junto com Alemanha e Rússia, se opôs veementemente à invasão norte-americana. O trio anunciou estar de acordo quanto à necessidade de apoiar o processo de estabilização no Iraque. "Temos interesse em colaborar como pudermos para melhorar a situação no país", declararam. Maiores detalhes não houve.
Por último, foi discutida a questão da segurança interna na Europa: Putin declarou que gostaria que a Rússia participasse mais desse processo. "Paz e desenvolvimento só serão possíveis na Europa, se houver uma parceria realmente estratégica com a Rússia", concordou Gerhard Schröder, e acrescentou: "Disso depende o bem-estar dos povos na Europa".
Putin salientou que ali pode estar surgindo um novo e importante contrapeso a outras constelações de poder na Europa. O trio – que, segundo ele, não é "um clube fechado" – poderia usar sua influência para pleitear baixas no preço do petróleo e transparência no mercado petrolífero.
Palavras duras fazem parte
Mesmo que palavras de crítica façam parte de qualquer amizade, desta vez elas ficaram mesmo de fora. Se por um lado o chanceler alemão celebrou o fato de as eleições na Chechênia terem ocorrido sem problemas, por outro a Comissão Européia declarou que a eleição não foi nem transparente, nem justa. E os EUA a consideraram muito aquém dos padrões internacionais.
Em Sochi, os políticos proferiram declarações retóricas – esperança de melhora, prontidão para negociar, manutenção da integridade territorial russa –, que pouco ou nada dizem sobre o futuro da guerra e a destruição na Chechênia. Pelo contrário: tudo indica que a Rússia não pretende alterar sua estratégia na região, não abrindo mão do uso de forças militares e legitimando o desrespeito de seus soldados como parte da luta contra o terrorismo.
Neste que foi o terceiro encontro dos três países em apenas um ano, Chirac e Schröder perderam novamente a oportunidade de criticar a postura russa. Talvez porque a Chechênia seja um problema menor, se comparada a outras regiões em crise. Talvez para evitar provocar o maior e mais novo vizinho desde a ampliação da UE.