Trânsito caótico e poluição matam milhões por ano nas grandes cidades
16 de setembro de 2013A vida nas grandes cidades lentamente transforma pessoas saudáveis em doentes crônicos. Um dos maiores vilões da saúde nas metrópoles mundiais é a poluição, gerada em grande parte pela frota de veículos exagerada e pelo transporte público deficiente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos, cerca de 6 milhões de pessoas no mundo perdem suas vidas por causa da poluição do ar.
A entidade estuda os efeitos da falta de mobilidade urbana sobre a saúde há pelo menos 15 anos. Neste período, constatou que outras milhares de pessoas desenvolvem doenças crônicas degenerativas causadas pelo estilo de vida nas metrópoles: elas matam em longo prazo ou debilitam a saúde, deixando uma multidão de indivíduos produtivos incapazes de desenvolverem suas atividades.
Até 2050, a poluição do ar será a principal causa das mortes prematuras por câncer de pulmão em nível global. Esta é a afirmação de uma equipe de especialistas da Universidade de São Paulo (USP) em recente artigo publicado pela revista Nature. Países em desenvolvimento são apontados como os mais vulneráveis a este mal.
"Cidades da China, Índia, Indonésia e Brasil possuem níveis de poluição muito altos, mas há outras que não medem e não informam a poluição do ar, que pode ser maior. O fato de estarem se comparando é sinal de que querem melhorar", afirma Carlos Dora, coordenador do departamento de saúde pública e meio ambiente da OMS.
"Vários estudos mostram que os corredores de trânsito são as chaminés das cidades modernas", afirma Paulo Saldiva, patologista e professor da USP. Segundo ele, entre 70% e 90% dos poluentes do ar são produzidos pelos veículos. "A poluição ambiental é de duas a três vezes maior na cidade. Você fica muito tempo imerso no pior cenário", analisa.
O pesquisador é categórico ao confirmar a relação entre o tráfego urbano e o adoecimento da população. Segundo ele, apesar de nas grandes cidades a expectativa de vida ser maior do que em áreas rurais, onde há menor acesso a tratamentos de saúde, nos centros maiores o índice de doenças crônicas degenerativas e enfermidades psíquicas é muito superior.
Como a falta de mobilidade afeta a saúde
Em todo o mundo, 8% dos casos fatais de câncer de pulmão estão relacionados à poluição do ar. O efeito cumulativo da inalação contínua de nanopartículas e gases tóxicos como chumbo e cádmio podem causar outra série de problemas de saúde, que vão desde o aparecimento ou agravamento de doenças respiratórias, até problemas cardíacos, aumento da pressão arterial, diminuição da produção de lágrima, maior coagulação sanguínea, depressão, esquizofrenia e problemas reprodutivos.
"A poluição do ar gera em pequena escala os mesmos efeitos que o cigarro causa de forma mais individual e rápida. Em São Paulo, 15% das pessoas fumam, mas a poluição do ar afeta 100% da população, por isso, o risco atribuído da poluição é significativa", indica Saldiva. Só na região metropolitana paulista, cerca de 4 mil pessoas morrem todos os anos por problemas atribuídos à poluição do ar.
O tráfego urbano também geram outros problemas já comprovados por estudos científicos. Em muitos lugares, é difícil dormir por causa do barulho e, mesmo quando os moradores pegam no sono, ele é de má qualidade. Isso afeta o sistema nervoso, a produção hormonal, além de gerar dificuldade de concentração e perda de memória.
Isolamento e depressão
Em cidades como São Paulo, as pessoas gastam quase um quarto do dia para se deslocar de casa para o trabalho. Situação que gera isolamento social e compromete o desenvolvimento. "Por causa da má qualidade do transporte público, as pessoas buscam os carros. A população está cada vez mais confinada, seja em casa ou no modelo particular de locomoção", alerta Marília Flores Seixas de Oliveira, doutora em desenvolvimento sustentável e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Uesb.
Para a pesquisadora, a falta de convivência da comunidade no espaço urbano deixa a pessoa suscetível ao desenvolvimento de problemas como depressão e ansiedade, causados pela ausência de sociabilidade. "Hoje, a depressão pode levar à morte. As doenças não violentas estão matando muito", comenta Olveira. "Se você tem mais de 60 anos, uma das coisas que mais impactam na expectativa de vida é a falta de atividade social", reforça Saldiva.
Contexto que também gera o sedentarismo. Cada vez mais as pessoas vivem em escritórios e dentro de veículos. A falta de locais para se exercitar e a insegurança acabam servindo como justificativas para não praticar exercícios físicos, o que acarreta em inúmeras doenças potencializadas pelo stress mental e a poluição.
Carlos Dora garante que este cenário pode ser mudado se os gestores públicos pensarem as cidades relacionando a mobilidade urbana com a saúde pública. "Uma estratégia para aumentar a média de exercício na população é aumentar a mobilidade. Fazer com que ela seja integrada à rotina diária", garante. Conforme a OMS, o exercício físico reduz em 50% o risco de desenvolver câncer de cólon, doenças coronarianas, diabetes e obesidade.
Quando as cidades oferecem um sistema de transporte público adequado e espaços para caminhadas de pequenas distâncias, as pessoas são incentivadas a se movimentarem mais. "Uma grande parte dos deslocamentos é feita em curtas distâncias e quando se faz isso com o automóvel o problema da poluição é agravado, pois o pico de emissões poluentes ocorre quando o veículo é ligado".
Cidades europeias já conseguiram fazer isso, afirma Dora. Estes países primam pela aproximação do uso do solo, diferente do que ocorre em locais como Estados Unidos e Austrália, onde a dispersão do espaço urbano exige o uso de veículos automotores. "Nos últimos dez anos, vimos o início de um movimento que privilegia a bicicleta, o pedestre e o transporte público. Você faz das ruas algo prazeroso. Na década de 1990, era dificilíssimo falar na Europa em uso da bicicleta, mas isso mudou. Hoje, isso é sinônimo de cidade com boa qualidade de vida", conclui o representante da OMS.