Ucrânia vai às urnas em tempos de guerra
25 de outubro de 2014Os cerca de 25 mil soldados mobilizados para o leste da Ucrânia estão excluídos das eleições legislativas deste domingo (26/10): eles atiram, matam e podem morrer – mas não podem votar. O Parlamento em Kiev não conseguiu aprovar uma lei possibilitando-lhes participar do pleito fora de seus locais de residência. Falando também em nome de seus soldados, o ministro da Defesa, Stepan Poltorak, declarou-se indignado.
Os habitantes da península da Crimeia, recentemente anexada pela Rússia, tampouco poderão votar, assim como os das províncias de Donetsk e Lugansk, parcialmente controladas pelos separatistas pró-Moscou. Nelas não haverá eleição em pelo menos 13 de 32 distritos, estima a comissão eleitoral em Kiev. Por isso, o Parlamento passará a contar apenas 420 vagas, em vez de 450, como até agora.
Ao todo, 29 partidos concorrem aos assentos parlamentares, sendo a metade eleita através de listas partidárias, a outra, por mandato direto. O vencedor já está definido há meses: o presidente ucraniano.
Sua aliança, o Bloco Petro Poroshenko, lidera as sondagens, devendo conquistar de 20% a 30% dos votos. Isso, apesar de só ter sido fundada no fim de agosto de 2014, com base no Solidariedade, o partido de Poroshenko, que até então não dispunha de representação no Parlamento, só existindo no papel.
Volta da geração Yushchenko
O pleito anuncia-se especialmente importante para o bilionário ucraniano. A Constituição confere ao Parlamento e ao governo mais poderes do que ao chefe de Estado. Assim, segundo observadores, a meta de Poroshenko seria conquistar uma maioria parlamentar que o respalde – que poderia ser alcançada com os mandatos diretos e os parceiros de coalizão.
O presidente se empenhou por trazer o primeiro-ministro, Arseniy Yatsenyuk, para a sua aliança, mas os dois não chegaram a um acordo. Assim, quem lidera o Bloco Petro Poroshenko não é o chefe de governo, mas o boxeador Vitali Klitschko.
O partido do ex-campeão mundial de boxe, Udar (acrônimo que significa "soco" em ucraniano), já representado no Parlamento, se tornou um pilar central da aliança.
Ele se compõe em parte de políticos da época do presidente pró-ocidental Viktor Yushchenko – quer se trate de Klitschko, como candidato de ponta à chefia do governo, quer do ex-ministro do Interior Yuri Lutsenko como chefe da legenda. Deste modo, retorna ao palco político da Ucrânia uma geração que estava no poder até 2010.
Poroshenko: esperanças e críticas
A posição relativamente alta do Bloco Poroshenko nas pesquisas resulta de diversos fatores, aponta o especialista Viktor Samyatin, do Centro Rasumkov de estudos econômicos e políticos, sediado em Kiev.
"Em primeira linha, muitos eleitores associam Poroshenko a uma solução pacífica do conflito no leste da Ucrânia", afirma. Também, segundo ele, parece ter boa aceitação o programa de reformas Estratégia 2020, em que o presidente promete colocar o país dentro da União Europeia.
No entanto, a decisão do chefe de Estado de conferir autonomia abrangente aos separatistas do leste do país também tem sido criticada. O populista de direita Oleh Lyashko, por exemplo, fala em "capitulação".
O Partido Radical, lidera por Lyashko, ocupa o segundo ou terceiro lugar nas sondagens eleitorais, podendo obter 10% nas urnas. O político gosta de se apresentar como patriota inflexível: nas fotografias, costuma aparecer portando ou um forcado, símbolo das rebeliões dos camponeses, ou uma kalashnikov.
"Os atuais eleitores de Lyashko escolheram em 2012 o partido nacionalista Svoboda [Liberdade]", comenta Samyatin. Hoje, porém, é bastante incerto um retorno do Svoboda ao parlamento. Também o Setor de Direita, facção nacionalista de direita fundada neste ano, não deverá alcançar a quota mínima de 5% dos votos
Contudo, enquanto esses dois partidos também possuem alas de extrema direita e uma base ideológica, esse não é o caso da legenda de Lyashko. "Ele é um populista", define o especialista do Centro Rasumkov.
Timoshenko de fora?
Outra adversária de Poroshenko é a ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko, com seu Batkivshchyna (Pátria). Ela deverá angariar bem menos votos do que em 2012, quando se encontrava na prisão, após um processo duvidoso que despertou veementes críticas internacionais.
Na época, seu partido era liderado pelo atual premiê. Desta vez, ambos trilham caminhos separados: Yatsenyuk lidera sua própria aliança eleitoral, a Frente Popular, à qual aderiram vários políticos aliados a Timoshenko. Segundo as pesquisas de intenção de voto, a política que encabeçou a Revolução Laranja talvez não consiga alcançar os 5% requeridos, por uma pequena margem.
Como grandes perdedores destas eleições deverão sair os partidários do ex-presidente Viktor Yanukovytch, que está refugiado na Rússia. Vários deles se uniram num Bloco Oposicionista, cujo ingresso no Parlamento é duvidoso: seu eleitorado mora principalmente na Crimeia e no leste – portanto em regiões onde não haverá votação. O mesmo se aplica ao Partido Comunista da Ucrânia.
Novo começo sob ameaça
Diante desse quadro, está claro que o novo Parlamento deverá apresentar uma ampla maioria pró-Ocidente, pela primeira vez na história do país. Mesmo assim, as esperanças de um novo começo estão turvadas.
"Nestas eleições infelizmente não houve uma verdadeira competição de ideias e programas", constata Samyatin.
Além disso, as vozes críticas condenam a possibilidade de os mandatos diretos favorecerem o acesso de deputados corruptos ao Parlamento. Por outro lado, são restritas as perspectivas para as novas pequenas legendas – como a Autoajuda, de Andriy Sadovy, prefeito de Lviv, no oeste da Ucrânia. No entanto, foram justamente essas forças que impulsionaram a guinada política no país.