UE analisa condições de trabalho nas obras para Copa do Catar
12 de fevereiro de 2014"Nós quisemos o Catar, e agora vamos adiante", respondeu aos jornalistas, em tom quase desafiador, o presidente da Fifa, Joseph Btatter, sobre as condições de trabalho e as mortes ocorridas nas obras no emirado para a Copa do Mundo de 2022.
O jornal britânico The Guardian denunciou que, entre junho e agosto de 2013, mais de 40 trabalhadores nepaleses morreram em acidentes de trabalho ou por problemas de saúde nas obras. As embaixadas da Índia e do Nepal, países de origem da maioria dos trabalhadores imigrantes no Catar, falam em mais de 200 vítimas só no ano passado.
Em novembro, o Catar, após conversações com a Fifa, se comprometeu a entregar um relatório sobre a melhoria das condições de trabalho. O documento servirá de base para a audiência do representante da Fifa, o ex-presidente da Federação Alemã de Futebol Theo Zwanziger, perante o Comitê de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, nesta quinta-feira (13/02).
"A Fifa aplaude as atitudes concretas tomadas, anunciadas pelo Conselho Superior de Organização e Sustentabilidade, que asseguram o bem-estar dos que trabalham para a Copa de 2022", declarou o órgão máximo do futebol mundial, através de comunicado à DW.
A instituição afirmou que é importante que "todos os atores envolvidos se mantenham unidos e, dessa forma, deem sequência às ações iniciadas". Entretanto, não informou concretamente quais seriam essas atitudes.
Direitos não respeitados
"O Catar é um Estado escravocrata", afirma Sharan Burrow, secretária-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI). "Não há liberdade de associação. Os trabalhadores vivem na pobreza, trabalham em condições extremas sob forte calor, e não têm o suficiente para beber."
Segundo ela, os operários também não têm direito a folgas regulares nos fins de semana ou a assistência médica adequada. "As jornadas de trabalho podem ser de até 12 horas. Os dormitórios superlotados muitas vezes não têm eletricidade, e as condições de higiene são catastróficas. A CSI teme que o número de mortes possa subir para em torno de 4 mil até a Copa de 2022, caso as condições básicas de trabalho não sejam melhoradas", alerta Burrow.
Já Tim Noonan, diretor do CSI, afirma que melhorias apenas não serão suficientes. "O Catar precisa de leis pelas quais os trabalhadores possam ser tratados como seres humanos e que os libere do controle total dos empregadores, estabelecido pelo sistema Kafala".
Noonan se refere ao princípio de garantias aos empregadores, em vigor em quase todos os países da região do Golfo Pérsico. Nesse sistema, a responsabilidade sobre os trabalhadores estrangeiros recai sobre seus empregadores. Os trabalhadores devem entregar seus passaportes e não podem sair do país sem o consentimento dos seus superiores.
Além disso, eles podem ser demitidos de acordo com a vontade das empresas, sem receber pagamentos. Os sindicatos estão banidos, e processos legais para o recebimento dos honorários são quase impossíveis.
Obras grandiosas
Nove estádios estão em construção no Catar, e três já existentes passam por reformas. No país desértico, também é necessária a expansão da infraestrutura, como estradas e vias de transportes, além do abastecimento de água e da garantia de acomodações às equipes de futebol e aos visitantes de todo o mundo que deverão vir para a Copa.
Do total de 1,9 milhões de habitantes do Catar, apenas 12% são nativos. O país tem o maior índice de trabalhadores imigrantes em todo o mundo, a maioria dos quais trabalha na construção civil ou em serviços domésticos.
"A Fifa se ofereceu para convencer o Catar da necessidade de garantir os direitos dos trabalhadores", conta Sharan Burrow. "Tememos que a liberdade de associação não seja garantida, assim como o direito de negociação salarial."
A Fifa, entretanto, presume que a Copa do Mundo vai ajudar a "acelerar a introdução de padrões trabalhistas uniformes e adequados no Catar". A iniciativa, afirma, deverá "incluir entidades importantes, como a Organização Internacional do Trabalho(OIT).
Falta de vontade política
Barbara Lochbihler, presidente do Comitê de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, vê com bons olhos a iniciativa da Fifa no Catar. A audiência perante a comissão, porém, não deve ir além de uma troca de informações.
A UE poderá fazer "recomendações ao governo do Catar, à Fifa ou à OIT", explica Lochbihler. Mas sanções contra empresas europeias que violem os direitos e a proteção dos trabalhadores no Catar são impraticáveis atualmente. "O que posso fazer é convocar individualmente alguns parlamentares, mas meu comitê não tem uma posição para esse fim", admitiu.
Segundo ela, não apenas as eleições europeias de maio tornam mais difíceis qualquer atitude mais prática em relação ao Catar. "Se não tivermos escolha, podemos adotar uma resolução após a audiência. Um dos pontos dessa resolução poderia ser um apelo ao boicote. Mas isso não pode ser feito agora", afirmou.
Caso o Catar não promova mudanças na situação dos direitos dos trabalhadores imigrantes, Sharan Burrow aponta que a Fifa não terá outra escolha: terá que rever a escolha da sede da Copa do Mundo de 2022, se não quiserem que o evento máximo do futebol mundial, segundo ela, seja realizado "em um país escravocrata".