UE apóia plano de paz saudita na abertura da cúpula de Beirute
27 de março de 2002A conferência de cúpula da Liga Árabe foi iniciada em Beirute nesta quarta-feira (27), sob a presidência do presidente libanês, Emile Lahoud, e sem a presença de inúmeros chefes de Estados dos países árabes. Na sessão inaugural discursaram, como convidados, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o atual presidente da União Européia, o chefe de governo espanhol, José Maria Aznar. A principal decisão a ser tomada na reunião que dura até a quinta-feira (28) é a aprovação oficial de um plano de paz proposto pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Abdullah Ben Abdelaziz.
O início dos trabalhos na capital libanesa foi marcado por um tumulto. A delegação palestina retirou-se do plenário em protesto pela recusa de Emile Lahoud em permitir que Yassir Arafat se dirigisse, via satélite, aos participantes do encontro. A intervenção do presidente palestino no telão gigante estava prevista desde a semana passada, para o caso da ausência de Arafat em Beirute.
O líder palestino acompanha a conferência, via satélite, no seu quartel-general em Ramallah. O governo israelense recusou-se a permitir sua viagem à capital libanesa, como também a dar garantias para o seu regresso aos territórios palestinos, no caso de uma eventual participação sua na reunião de Beirute.
Geografia da paz
Como representante da União Européia, José Maria Aznar manifestou o desejo de que Beirute fique ligada ao que denominou como "mapa da geografia da paz", no qual incluiu as cidades de Madri – onde "nasceu", em 1919, o processo de paz para o Oriente Médio – e Oslo, onde foram assinados os acordos entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP). Falando do conflito sangrento dos últimos 18 meses no Oriente Médio, caracterizado por "momentos rítmicos", que não devem continuar, acentuou que a solução do conflito não pode ser obtida pelas armas.
"Os olhos do mundo estão cansados de ver tantas mortes, tanto ódio acumulado", salientou Aznar, adiantando que todos os esforços serão inúteis se não existir uma vontade de construir a paz. Depois de aludir à ausência no Líbano do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yassir Arafat, o chefe de governo espanhol anunciou o desejo da União Européia, de ver criado um Estado palestino independente, com direitos iguais aos de Israel: reconhecimento das suas fronteiras e condições de viver em paz.
"Não há paz sem segurança e não pode haver segurança sem justiça", afirmou. Em nome da UE, Aznar fez ainda um pedido claro: "A completa retirada israelense dos territórios ocupados, com base nas resoluções da ONU". A seu ver, tais resoluções "representam uma oportunidade única para a paz".
Annan pede apoio à proposta saudita
O secretário-geral das Nações Unidas também discursou na abertura da conferência de cúpula. Kofi Annan apelou aos participantes para que apóiem a iniciativa saudita para a paz no Oriente Médio. "Este plano, fundado no princípio 'terra por paz', apresenta perspectivas de futuro claras e convincentes. Nunca foi tão urgente restabelecer a paz e a estabilidade", afirmou o secretário-geral da ONU. É necessário apoiar decididamente este plano e mostrar ao mundo e às partes conflitantes, que os países árabes não recuaram perante opções cruciais em busca da paz, ressaltou ainda Kofi Annan.
O diplomata exortou ainda o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yassir Arafat, a reafirmarem a escolha estratégica da paz, com base numa solução justa, duradoura e global. "Eles devem afastar seu povo da beira do abismo. É o seu papel e o seu dever", declarou Annan.
Ele citou ainda a Resolução 1397, aprovada este mês pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que defende uma região onde dois Estados – Israel e Palestina – vivam lado a lado, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas. Ele se manifestou preocupado com a dimensão do conflito regional e desejoso de ver uma paz global entre Israel e seus vizinhos, incluindo a Síria e o Líbano. O secretário-geral da ONU terminou o seu discurso com um apelo ao Iraque, para que coopere com as Nações Unidas.
Plano saudita
Conforme estava previsto, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Abdullah Ben Abdelaziz, propôs que a Liga Árabe ofereça a Israel uma "normalização das relações", em troca do reconhecimento de um Estado palestino e do regresso dos refugiados. Abdullah afirmou que ter uma paz verdadeira é a única forma de normalizar as relações entre todos os povos e a única coisa que pode substituir a destruição total.
"Proponho que a Liga Árabe apresente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas um programa coletivo baseado em relações normais e de segurança para Israel, paralelamente com um país palestino independente, com capital em Jerusalém, e o direito do povo palestino de regressar à sua terra", afirmou o príncipe saudita.
Abdullah pediu também a Israel que retire as suas forças dos territórios árabes ocupados. "Terra por paz tem sido o princípio adotado pela comunidade internacional e uma completa retirada israelense dos territórios ocupados é a base para tudo", acrescentou.
Muitos ausentes
O presidente egípcio, Hosni Mubarak, e o rei Abdallah II da Jordânia não participam na conferência de cúpula de Beirute por "razões de segurança". Isto foi confirmado à agência francesa AFP por fontes responsáveis pela organização do encontro de cúpula na capital libanesa.
O rei Abdallah II que, em março de 2001, presidiu a última conferência de cúpula ordinária árabe, realizada em Amã, capital da Jordânia, devia passar pessoalmente a presidência da Liga Árabe ao chefe de Estado libanês, Emile Lahoud. Além de Arafat, Mubarak e Abdallah II, não estão presentes os governantes do Iraque, Kuwait, Líbia, Mauritânia, Qatar, Omã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
Yassir Arafat está ausente pela primeira vez de uma conferência de cúpula árabe desde que ascendeu, em 1969, à presidência da OLP. O presidente da ANP não aceitou as condições israelenses, que lhe permitiriam deslocar-se à capital libanesa, por receio de não poder regressar aos territórios palestinos.
Algumas horas antes de ser conhecida a decisão palestina sobre a ausência de Arafat, o primeiro-ministro israelense tinha fixado as condições para a viagem do presidente palestino a Beirute: ele devia declarar um cessar-fogo e conclamar seu povo a acabar com a violência e os ataques terroristas contra Israel. Além disto, Sharon afirmou que Washington tinha de garantir a Israel a possibilidade de impedir o regresso de Arafat aos territórios palestinos, caso se registrassem atos de terrorismo durante a sua estada em Beirute.
Israel "cometeu um erro"
Israel "cometeu um erro" ao não permitir a presença do presidente palestino Yassir Arafat na conferência de cúpula árabe em Beirute, segundo opinião do ministro israelense da Defesa, Benjamin Ben Eliezer. A declaração do ministro foi publicada pelo diário israelense Ma'ariv, na sua edição desta quarta-feira (27).
"Israel teria tudo a ganhar se Arafat tivesse partido para Beirute. De qualquer forma, estará lá, ainda que não presente fisicamente. E o que ganharemos nós com isso?", indagou Ben Eliezer. No seu entender, "esta decisão provocará uma escalada do terrorismo".
Também o pacifista israelense Uri Avnery fez críticas ferrenhas à decisão do primeiro-ministro. Numa entrevista concedida à Deutsche Welle, Avnery classificou como "atrevimento monstruoso" de Sharon, o fato de ele determinar se Arafat poderia ou não participar da conferência de cúpula da Liga Árabe em Beirute. Segundo o pacifista, o primeiro-ministro israelense estaria tentando assim torpedear a iniciativa de paz apresentada pela Arábia Saudita.