Um ano de violência e quebra de tabus nos EUA
30 de dezembro de 2015O presidente americano, Barack Obama, quebrou dois grandes tabus em política externa em 2015: restabeleceu as relações diplomáticas com Cuba e fez um acordo nuclear com o Irã.
"As pessoas não podem admitir isso em público", afirma John Limbert, um ex-vice-secretário assistente de Estado para o Irã. "Mas, em vez de fazer o que estávamos fazendo por 34 ou 35 anos, que foi ameaçar e insultar um ao outro, nós temos sido capazes de conversar com os outros, não como amigos, mas falar com os outros."
O acordo nuclear com o Irã provocou uma forte oposição de Israel, um dos aliados mais próximos dos EUA. Em março, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez lobby ativo contra o acordo em um discurso para o Congresso dos EUA – uma atitude sem precedentes.
"Eles veem que o acordo nuclear não é o fim da estrada", afirma William Quandt, que trabalhou no Conselho de Segurança Nacional durante os governos de Richard Nixon (1969-1973) e Jimmy Carter (1977-1981). "Este é, possivelmente, o início da restauração de uma relação mais cooperativa entre EUA e Irã. E isso é o que preocupa países como Arábia Saudita e Israel."
Guerras que não acabam
Enquanto negociou com adversários dos EUA, o presidente procurou acabar com guerras controversas. Mas a ascensão do grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI) tem dificultado seus planos.
Três anos depois da retirada, as tropas dos EUA retornaram ao Iraque para combater o EI. Em outubro, o presidente decidiu que, após ele deixar a Casa Branca, mais de 5 mil homens continuarão estacionados no Afeganistão, para impedir o avanço do Talibã e o crescimento de ramificações do EI no país.
"Esta nova dinâmica do EI é bastante preocupante, e eles têm seus olhos focados na Ásia Central", afirma Thomas Johnson, especialista em guerra no Afeganistão do curso de pós-graduação da Marinha americana. "Você está vendo um monte de congressistas que está dizendo: não podemos deixar o que aconteceu no Iraque ocorrer no Afeganistão."
LGBT e mulheres fazem progressos
Em meados do ano, gays e lésbicas ganharam o direito de se casar em todo o país, coroando uma luta de décadas e uma alteração profunda na atitude da população em relação à homossexualidade.
No início deste mês, os militares abriram as posições de combate para as mulheres, em uma das poucas áreas do país onde a discriminação de gênero ainda era uma política oficial.
E há uma grande possibilidade de que os EUA tenham sua primeira presidente. Hillary Clinton está liderando as primárias democratas com o apoio de 60%. Em pesquisas de opinião sobre as eleições presidenciais, ela empata ou vence todos os atuais pré-candidatos republicanos.
Tensão racial e religiosa
Enquanto a comunidade LGBT obteve direitos na sociedade americana, outras comunidades não tiveram a mesma sorte. Os muçulmanos têm sido alvo do aumento da retórica discriminatória na esteira dos ataques terroristas em Paris e San Bernardino, na Califórnia.
Trinta e um governadores se opuseram ao recebimento de refugiados sírios, enquanto o pré-candidato republicano líder nas primárias, Donald Trump, pediu a proibição completa da entrada de muçulmanos nos EUA. Seu rival Jeb Bush, por sua vez, afirmou que o país deveria focar no acolhimento dos sírios cristãos.
"Há uma clara correlação entre o que tem sido defendido e propagado na mídia em relação à retórica antimuçulmana, e como isso se traduz em impacto sobre a vida real dos americanos adeptos da religião muçulmana", diz Yasmine Taeb, que liderou uma pesquisa sobre o sentimento anti-islâmico para o instituto Centro para o Progresso Americano.
As tensões raciais também foram intensas em meio a incidentes recorrentes de negros desarmados morrendo nas mãos da polícia. No caso de Baltimore, os protestos de abril se tornaram assunto internacional, expuseram velhas feridas da sociedade americana e tiveram mais de 200 pessoas presas.
A violência armada
Em junho, um racista declarado abriu fogo em uma igreja histórica frequentada pela comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul, matando nove fiéis.
"Mesmo as pessoas brancas estão horrorizadas", diz Harold McDougall, professor de direito na Universidade Howard, em Washington. "Isso não é o que era para ser. Isso não é um EUA pós-divisão racial."
O massacre provocou um novo debate sobre a supremacia branca nos EUA e seus símbolos, em particular em relação à bandeira confederada – que representa os antigos estados escravista do sul do país.
O tiroteio em Charleston foi um dos 30 assassinatos em massa nos EUA em 2015, de acordo com uma pesquisa do jornal USA Today. Em um refrão político bem familiar usado após cada grande tragédia, o presidente Obama pediu o controle mais rigoroso das armas, enquanto o Congresso persiste em sua posição.
"Os americanos estão permitindo a praga e a insanidade da violência armada acontecer em grande escala ao fazer com que qualquer um tenha fácil acesso a armas", diz Jonathan Metzl, especialista em violência armada da Universidade Vanderbilt.
À espera de mudanças
A turbulência social tem repercutido na corrida presidencial, com o sentimento de contestação alimentando candidatos não ortodoxos. Quando Donald Trump entrou pela primeira vez na corrida, sua campanha era vista como um pouco mais do que um truque publicitário.
Seis meses depois, o bilionário de Nova York domina as pesquisas republicanas, faltando pouco mais de um mês para a realização da primeira primária do partido.
"Trump está exibindo o poder que eu acho que americanos brancos gostariam de ver em resposta às suas reações a Obama", explica Darren Davis, professor de política da Universidade de Notre Dame. "Obama é a antítese do que eles pensam que os EUA representam."
Do lado democrata, o senador Bernie Sanders, do estado de Vermont, se tornou uma força política séria, apesar de ser um autodenominado socialista democrático – uma palavra quase ofensiva na política americana.
O cenário político é propício para forasteiros. De acordo com o Instituto de Política Econômica, os EUA assistem a um nível de desigualdade de renda não visto desde a década de 1920. Quase oito anos depois de Obama ser eleito para a presidência, os americanos continuam procurando por uma mudança.
"Não há espaço na corrida eleitoral de 2016 para mensagens que realmente desafiem as ortodoxias econômicas dos EUA", afirma John Nichols, correspondente da revista The Nation em Washington.