Balanço da era Putin
1 de março de 2008Durantes oito anos, ele trabalhou de manhã até a noite, como um escravo, afirmou Vladimir Putin em sua última coletiva de imprensa no Kremlin, diante de 1.300 jornalistas. Porém nunca foi obcecado pelo poder. E acrescentou, orgulhoso: nestes dois mandatos alcançou todas as metas a que se propusera.
Posse surpreendente
De forma inesperada, Putin assumiu o cargo de presidente da Rússia em 31 de dezembro de 1999, após a renúncia de seu antecessor, Boris Ieltsin. Em março do ano seguinte, foi então eleito com 52,9% dos votos. Após anos de escândalos e caos econômico, sua presidência se iniciava sob o signo do recomeço e da esperança de estabilidade.
O primeiro mandato foi dedicado às reformas internas, enquanto o Ocidente observava, cético. Putin cuidou para que o Kremlin voltasse a ditar a política interna e criou a assim chamada "vertical do poder". Para tal, cortou atribuições das regiões, e mais tarde também dos governadores.
Diversas oligarquias caíram em desgraça. Segundo a visão do senhor do Kremlin, elas haviam se imiscuído ilicitamente na política, aproveitando-se de seu poder midiático. Iniciadas as investigações, alguns dos acusados, entre os quais Boris Beresovski, escaparam para o exílio.
Kursk e Dubrovka
Logo o presidente receberia seu primeiro golpe. Em agosto de 2000 o submarino nuclear Kursk naufragava, jazendo durante vários dias no fundo do Mar de Barents (Ártico), com 23 tripulantes a bordo. No fim, ninguém sobreviveu ao acidente.
A Marinha encobriu o drama e Putin estava de férias em Sotchi. Só tarde demais visitou o local da tragédia, e na ocasião os parentes das vítimas o acusaram de desinteresse e inércia.
O conflito na Tchetchênia foi outro pesado ônus para a era Putin, cobrando cada vez mais feridos e mortos do lado das Forças Armadas russas. O presidente optou desde logo pela linha dura, armado do argumento do combate ao terrorismo. A população se mostrava cada vez mais cansada da guerra civil e as notícias sobre atos de crueldade dos soldados russos se acumulavam.
Uma reviravolta ocorreu em outubro de 2002, quando terroristas chechenos fortemente armados invadiram o Teatro Dubrovka, em Moscou, tomando como reféns centenas de espectadores.
O presidente demonstrou dureza implacável, mandando invadir o prédio. Todos os rebeldes foram mortos, assim como diversos reféns. Em seguida, cuidou para estabelecer um governo fiel a Moscou na capital tchetchena, Grosny.
Rússia como potência mundial
Em março de 2004 Vladimir Putin assumiu mais uma vez, agora fortalecido pelo voto de confiança de 71,3% dos eleitores. Este segundo mandato seria ditado por uma ambição na política externa: reconquistar para a Rússia o estatuto de potência mundial.
Moscou se posicionava de forma cada vez mais negativa em relação aos Estados Unidos e ao Ocidente. Este, por sua vez, encarava com ceticismo cada vez maior a forma brutal como a Rússia lidava com a oposição e com a imprensa crítica.
Na Alemanha a polêmica culminou, em setembro de 2004, num ácido debate público sobre a concessão, pela Universidade de Hamburgo, de um título de doutor honoris causa a Putin. Após maciços protestos, desistiu-se da distinção. Entretanto, o então chanceler alemão Gerhard Schröder aferrou-se à amizade com o presidente russo, segundo ele, um "democrata puro-sangue".
"Democracia dirigida"
Aquele mesmo mês marcou o drama dos reféns em Beslan: para os sobreviventes, um trauma até hoje, para a presidência de Putin, uma séria mácula. O Estado russo foi responsabilizado por falhas na mobilização das Forças Armadas, que acabaram custando centenas de vidas, especialmente de crianças.
Neste meio tempo, aumentavam as restrições à liberdade de imprensa. O assassinato da jornalista Anna Politkovskaia em outubro de 2006 – até hoje não esclarecido – constituiu um lamentável ápice.
Para fora, o presidente afirmava conduzir seu país pelo caminho da democracia. No interior, cuidava para que o poder continuasse concentrado no Kremlin. A expressão "democracia dirigida" tornou-se sinônimo da política de Putin.
Siga lendo sobre a era Putin e o futuro da Rússia.
Energia como arma
A maioria do povo russo via e vê em Vladimir Putin sobretudo a garantia de estabilidade, o patriotismo renascido. Seus aspectos negativos – correntes nacionalistas, xenofobia crescente, anti-semitismo – incomodam bem pouca gente na Rússia de hoje.
Putin trouxe estabilidade econômica e crescimento, as condições para investimentos melhoraram. A Rússia é um disputado parceiro econômico e – acima de tudo – fornecedor de energia.
Os ganhos do país com o comércio de petróleo e gás natural são gigantescos, e praticamente todos lucraram com o crescimento – embora não de forma igualitária.
É inegável que a "potência energética" nem sempre fez uso escrupuloso de sua riqueza de recursos. O fornecimento de gás e petróleo tornou-se meio de pressão política, como demonstraram as desavenças com a Ucrânia e Belarus.
Porém Putin rejeita veemente tais ressalvas. A Federação Russa sempre cumpriu com o compromisso de manter seus clientes abastecidos, e continuará a fazê-lo de forma plena, afirma o presidente.
Premiê de Medvedev
As áreas de saúde, educação e infra-estrutura são uma outra história. Aqui, os progressos são pouco aparentes: o combate à corrupção disseminada foi incipiente, e o abismo que separa ricos e pobres se escancara cada vez mais. Entretanto, Putin rebate:
"Estou inteiramente convencido que a Rússia inicia agora uma etapa de desenvolvimento totalmente nova: a do crescimento econômico estável, sobre cuja base se solucionam os problemas sociais. Nesta, a tarefa mais importante é eliminar as diferenças entre os que vivem muito bem na Rússia, angariando ganhos imensos, e os que ainda vivem em condições paupérrimas. Podemos, devemos e iremos reduzir este abismo entre os rendimentos."
Na qualidade de primeiro-ministro, Putin dividirá nos próximos anos as responsabilidades com Dimitri Medvedev, "seu" presidente, 13 anos mais jovem. Não se deve chorar pelo fim de uma era, mas sim se alegrar por poder trabalhar em outra função: este é o sumário de Vladimir Vladimirovitch Putin ao fim de seu mandato presidencial.