Um monastério italiano e os "guerreiros culturais" de Bannon
19 de março de 2019Para muitos, a decisão de viver num mosteiro do século 13 totalmente abandonado no topo de uma montanha num país estrangeiro, sem recepção de celular e com apenas um zelador – um monge octogenário acompanhado de 19 gatos ferozes – não seria uma escolha óbvia de estilo de vida.
Acrescente a isso protestos regulares de moradores locais e outros ativistas que querem sua saída – e podem surgir alguns arrependimentos.
Mas não é o caso de Benjamin Harnwell, de 43 anos, um ex-assistente parlamentar britânico e católico convertido que no ano passado se mudou para a isolada Certosa di Trisulti: um antigo monastério da ordem dos cartuxos agora em posse dos monges cistercienses. O monastério está localizado acima da cidade de Collepardo, duas horas de carro a sudeste de Roma.
Harnwell foi denominado por Steve Bannon como chefe de uma futura "escola de gladiadores para guerreiros culturais" da extrema direita – um homem que diz ter conseguido o emprego dos seus sonhos. "Isso realmente soa brega, mas eu digo que Deus me deu algo para fazer aqui e eu tenho que fazer isso", afirma Harnwell.
No ano passado, apoiado por Bannon, ex-estrategista chefe de Donald Trump, o ultraconservador Instituto para a Dignidade Humana (DHI), de Harnwell, venceu uma licitação pública para ocupar o monastério por 19 anos a um aluguel anual de 100 mil euros.
"Steve [Bannon] está constantemente dizendo que a coisa que precisamos entender sobre a classe de pessoas que dirigem o Ocidente é que elas são grosseiramente incompetentes", afirma Harnwell, sentado numa sala mal iluminada, gélida e pouco mobiliada num canto distante no vasto complexo do monastério.
"Nós presumimos que essas pessoas são ótimas estadistas porque se vestem de forma inteligente, penteiam bem os cabelos e fazem uso da linguagem oficialmente aprovada." O próprio Harnwell penteia o cabelo e se veste de forma muito parecida com Bannon – como muitos já apontaram.
Reunidos pelo catolicismo conservador, pela hostilidade à União Europeia (UE) e pelo apoio aos movimentos nacionalistas, os dois homens desfrutam de um pleno – mas não exatamente equilibrado – bromance.
Harnwell classifica Bannon de "um dos grandes seres humanos que caminham atualmente na face do planeta". Bannon, que não fala italiano, atribui a Harnwell a dúbia distinção de ser "o cara mais inteligente em Roma".
Quando questionado sobres os valores do Instituto de Dignidade Humana, Harnwell cita o primeiro capítulo do Gênesis na Bíblia, "que o homem é feito à imagem e à semelhança de Deus e cada pessoa sem exceção [...] é de valor infinito".
E quanto a pena de morte? "Veja, o DHI não tem uma opinião sobre a pena capital. Eu pessoalmente não me oponho à pena capital", responde Harnwell. E casamento? "Entre um homem e uma mulher", diz. E divórcio? "Não é um conceito compatível com o conceito de casamento sacramental."
E quanto aos três divórcios de Bannon? "Tecnicamente isso não é verdade", continua Harnwell com uma risada. "Até onde eu sei, o primeiro casamento dele foi anulado, o segundo terminou em divórcio e eu não conheço o status do terceiro."
Mas não é importante que um assim chamado defensor de valores cristãos conservadores viva de acordo com esses valores? "Nenhum de nós é perfeito", contrapõe Harnwell. Ele diz que, embora acredite que Bannon esteja vivendo uma vida em conformidade com os ensinamento da Igreja, "não teve essa conversa com ele".
Juntamente com a defesa da tradição judaico-cristã, a outra causa principal de Harnwell é se opor ao que ele chama de "senso militante e ideológico de um sistema sem fronteiras".
Harnwell cita um estudo do Pew Research Center que, segundo ele, mostra um cenário catastrófico em que dois terços dos africanos – 800 milhões de pessoas – planejam se mudar à Europa ou aos EUA nos próximos anos.
(Posteriormente, após a reportagem da DW não conseguir encontrar o estudo e mandar um e-mail para Harnwell, ele enviou uma matéria do site ultraconservador Breitbart News, fundado por Bannon. O texto inclui um link para um estudo do Pew Research Center que mostra que um milhão de africanos foram para a UE de 2010 a 2017 e 400 mil para os EUA de 2010 a 2016. Após nova troca de e-mails, Harnwell rebaixou sua estimativa para 400 milhões.)
Harnwell conduz a reportagem da DW pelos magníficos jardins do monastério, do refeitório repleto de luz natural, depois mostra as joias de um claustro inspirado em outro em Roma concebido por Michelangelo.
De uma janela, ele avista um grupo de peregrinos mais velhos que passam por um caminho da montanha. Até pouco tempo atrás, os visitantes do monastério consistiam principalmente de peregrinos aposentados que fazem a viagem até o local a partir das comunas vizinhas de Castelli Romani no oitavo dia de cada mês para visitar o pequeno santuário de Madonna delle Cese.
Harnwell diz que adora caminhar, mas não teve tempo. "O que você tem feito?", perguntou a reportagem. "Agora você está começando a soar como Steve", responde Harnwell.
Passamos por um corredor ladeado de antigas celas de monges, bonitas em sua simplicidade, mas que precisam de obras para acomodar futuros alunos.
Apesar das ambições para um centro de treinamento de vanguarda, é impossível deixar de notar que os planos aparentam ser vagos, que o monastério está meio adormecido e que as conexões com partidos políticos ainda são insignificantes.
Os cursos, diz Harnwell, serão "revelados com grande aclamação" em uma data posterior. Ele afirma que nunca conheceu e não precisa conhecer o político populista de direita Matteo Salvini, ministro do Interior e vice-premiê da Itália, porque ele "pode apoiá-lo nas montanhas".
Além dos peregrinos idosos, o único outro convidado presente é uma organista de fala mansa do Reino Unido que nos acompanha durante a entrevista. Ela está em seu último dia de uma estadia de duas semana no monastério para "propósitos religiosos".
A mulher diz que depois de assistir a vídeos no Youtube que supostamente mostram gangues de homens muçulmanos estuprando mulheres na Alemanha e na Suécia, ela está profundamente preocupada com todos os migrantes solteiros que chegaram à Europa e apavorada pelas suas duas filhas adultas. Ela afirma gostar do que Bannon tem a dizer.
O passeio termina com um olhar dentro da extraordinária farmácia onde monges fizeram centenas de remédios à base de plantas. Do lado de fora do salão de entrada, o zelador conta estar perplexo com toda a atenção que o monastério – por tanto tempo ignorado – tem atraído ultimamente.
"Quando eles colocaram o anúncio, ninguém estava interessado", diz ele. "A única outra pessoa que visitou o local foi Massimiliano Muzzi, que veio aqui vestido de monge e disse que era bispo. Descobriu-se que se tratava de uma calúnia e ele foi preso por milhões de euros de fraude."
Harnwell tem que encerrar a conversa. Ele tem e-mails esperando e dezenas de pedidos de entrevista para lidar.
"Isso não tem nada a ver comigo. Simplesmente acontece por eu estar ligado ao homem do momento", diz ele. "Antes, eu não conseguia nem atrair a atenção da imprensa local. Agora, a imprensa internacional vem aqui para pegar cada palavra que digo."
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