Um problema ambiental de proporções globais
6 de novembro de 2015O fogo que se alastrou pela Indónesia nos últimos três meses já devastou mais de dois milhões de hectares de florestas e turfeiras, com consequências globais devastadoras.
Todos os anos, há queimadas no país, mas em 2015 a intensidade do fenômeno El Niño criou condições climáticas mais secas do que as normais, resultando na pior temporada de queimadas já registrada no país. E, ao contrário de outros incêndios florestais que fugiram do controle em outras partes do mundo, o fogo na Indonésia é causado unicamente pela ação humana.
A maioria dos incêndios tem início com as queimadas agrícolas para "limpar" o solo e abrir caminho para mais plantações de palma, visando a extração do óleo. Ao mesmo tempo, o solo úmido e pantanoso é drenado para deixar o terreno apto ao cultivo.
Boa parte das florestas indonésias cresce sobre turfeiras, que se formaram há milhares de anos através da decomposição vegetal. Quando as árvores são cortadas e o solo seca, a turfa que está exposta acaba atuando como combustível para as chamas, liberando na atmosfera o carbono armazenado ao longo dos anos.
O contínuo desflorestamento na Indonésia nas últimas décadas fez do país um dos maiores emissores de dióxido de carbono do mundo, elevando-o ao primeiro lugar nas emissões em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Mas neste ano os incêndios estão emitindo por dia mais CO2 na atmosfera do que toda a economia americana. O acumulado das últimas semanas já supera as emissões anuais da Alemanha.
"Acho que podemos dizer com segurança que, entre tudo o que ocorreu na última década, essas queimadas são as que tiveram o maior impacto no clima", afirmou Susan Minnemeyer, da organização Global Forest Watch.
Fumaça mortal
Embora ainda seja difícil prever os efeitos de longo prazo da emissão dos gases de efeito estufa, é impossível ignorar os seus impactos imediatos. Uma fina névoa de partículas e gases nocivos paira sobre o país, assim como sobre os vizinhos Singapura e Indonésia – e chegou até mesmo às Filipinas e Camboja.
Na Indonésia, cerca de meio milhão de pessoas foram acometidas por algum tipo de infecção respiratória, e ao menos dez já morreram. "As pessoas estão irritadas. E estão exigindo uma resposta do governo, pois isto já é uma crise humanitária", conta Annisa Rahmawati, ativista do Greenpeace.
A fumaça também pode ter um impacto devastador para animais e plantas. Na última vez em que incêndios atingiram proporções tão grandes – em 1997, também durante um El Niño –, espécies de insetos foram extintas e as abelhas não conseguiam se orientar, criando um danoso efeito dominó em plantas que dependem da polinização.
Risco de extinção
O fogo não se limita às áreas destinadas à agricultura. Ele também está se espalhando e atingindo florestas virgens e parques nacionais, colocando em ainda maior risco espécies que já estão ameaçadas de extinção. Isso inclui os pouco mais de 400 tigres-de-sumatra que ainda existem na ilha, o orangotango-de-bornéu e o rinoceronte-de-sumatra, do qual restam menos de 100 indivíduos.
"O desflorestamento já é um dos maiores riscos para esses animais, e agora o fogo os coloca em um perigo ainda maior", lamenta Rahmawati. A ativista também conta que os elefantes estão ficando desorientados pela fumaça e acabam vagando por áreas residenciais, onde há o risco de serem mortos.
Apesar da ameaça do fogo em si, que está invadindo algumas das florestas mais preciosas do mundo, ambientalistas afirmam que a ênfase não deve ser no combate às chamas. Apagar incêndios em áreas de turfa é extremamente difícil, já que a turfa pode se manter queimando, abaixo da superfície, por meses.
Em vez disso, o foco deve ser na aplicação de leis que evitem o começo das queimadas, além da completa proibição de cultivos nas áreas de turfeiras e florestas nativas. Assim, as vegetação poderia ser replantada.
O corte e a queima de florestas são ilegais, mas a lei raramente é aplicada, tornando as práticas comuns. "Há muita ilegalidade na agroindústria", afirma Laurel Sutherlin, da Rainforest Action Network. "Ninguém espera que haja consequências".
Da floresta para o supermercado
Ambientalistas defendem que a comunidade internacional pressione o governo da Indonésia para que as leis sejam aplicadas – e as negociações que ocorrem em breve em Paris durante o COP21 são uma ótima oportunidade para isso. Mas Sutherlin ainda acrescenta que aqueles que lucram com a destruição das florestas do país também deveriam ser responsabilizados.
A Indonésia produz mais de metade do óleo de palma do mundo, que é encontrado na maioria dos produtos, como alimentos processados, cosméticos e produtos de limpeza. Campanhas ambientalistas estão fazendo lobby junto a grandes empresas como Nestlé, Kraft Heinz e Pepsi Co. para que elas verifiquem seus fornecedores e garantam que o óleo de palma utilizado em seus produtos seja obtido de forma ética e justa.
"A Indonésia não consegue fazer isso sozinha. Há empresas multibilionárias que precisam ser responsabilizadas", explica Sutherlin à DW. "Mas a consciência dos consumidores está aumentando, e eles têm muito poder".
Recuperação é igual à prevenção
"Uma vez que as turfeiras estejam mortas, elas não podem mais ser recuperadas", afirmou Rahmawati. Mas há formas de prevenir a expansão das queimadas.
É possível recuperar as turfeiras através da destruição dos canais de drenagem e re-inundando as áreas. Rahmawati conta que áreas recuperadas desta forma antes do período de queimadas deste ano conseguiram resistir às chamas.
Se medidas como essa fossem ampliadas, áreas de floresta poderiam ser muito mais resilientes quando a próxima estação das queimadas começar. "Ninguém pode afirmar que essas queimadas são imprevisíveis", afirma Sutherlin. "Nós temos um ano para resolver o problema".
Chuvas recentes auxiliaram a apagar parte do fogo. Enquanto os humanos não atuam em conjunto para resolver o problema, muitos apenas esperam que a mãe natureza o faça.