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Uma Europa dividida

22 de janeiro de 2018

Duas tendências opostas dominam atualmente a União Europeia: enquanto alguns países querem avançar com a integração, outros querem contê-la. O que está por trás desse antagonismo e o que pode fortalecer a coesão?

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Bandeira da UE rasgada
"Dependendo do tema, a Europa possui várias divisões", diz eurodeputadoFoto: picture-alliance/ZB/Montage DW

Em discurso sobre o futuro da Europa perante o Parlamento Europeu, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, apelou na semana passada por solidariedade entre os países-membros da União Europeia (UE). "Somente juntos somos fortes", afirmou Varadkar, destacando que, do ponto de vista global, a UE é uma união de países pequenos.

Em Londres, apenas algumas horas depois, a Câmara dos Comuns aprovou a Lei Brexit do governo conservador britânico.

Leia também: O maior desafio da UE em 2018

Enquanto isso, em Berlim, o novo chefe de governo austríaco, Sebastian Kurz, fez sua primeira visita à chanceler federal alemã, Angela Merkel. Aos 31 anos, Kurz está à frente de um governo que conta com a participação do nacionalista de direita Partido da Liberdade (FPÖ). O premiê austríaco rejeita a ideia de mais união na Europa, especialmente se isso significar mais refugiados.

Finalmente, na sexta-feira, a própria Merkel foi recebida em Paris pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que se apresenta como o grande renovador da Europa.

Os quatro eventos da última semana revelam algo sobre o atual estado do continente, principalmente sobre quão dividido ele está: de um lado, aqueles como Macron ou Varadkar, que apostam numa maior cooperação europeia; do outro, pessoas como Kurz ou a primeira-ministra britânica, Theresa May, que querem dar mais ênfase ao caráter nacional ou até mesmo deixar completamente a UE.

Caleidoscópio europeu

A UE pode ser dividida em defensores e opositores de "mais Europa"? À primeira vista, os maiores céticos parecem estar entre os novos membros da UE no Leste do continente, enquanto os países da Europa Ocidental defendem antes a ideia de uma integração mais estreita – com a grande exceção do Reino Unido.

Embora Jo Leinen, eurodeputado social-democrata, veja a divisão Leste-Oeste parcialmente confirmada na Hungria, Polônia e, com reservas, na República Tcheca, ele menciona a Bulgária e a Romênia como exemplos contrários: "Ali estão em ação governos bem pró-europeus." Por outro lado, ele também afirma não garantir "que dinamarqueses e suecos sejam ardentes pró-europeus".

Daniel Gros, diretor do Centro de Estudos de Política Europeia, think tank sediado em Bruxelas, disse considerar errônea até mesmo uma divisão grosseira entre Leste e Oeste.

"O Sul gostaria de uma UE mais forte com um ministro europeu das Finanças, uma união bancária e eurobonds [títulos públicos em euros emitidos conjuntamente pelos países da zona do euro]. Ao Leste, agradaria uma UE com mais fundos de ajuda estrutural e menos restrições à livre circulação de trabalhadores; alguns Estados – como os países bálticos e a Hungria – prefeririam um papel mais forte do bloco europeu em questões de segurança frente à Rússia. Mais solidariedade na política de migração agradaeria à Alemanha e também à Itália e à Grécia", afirmou Gros. "Não há divisão, e sim, como de costume, um caleidoscópio."

Leinen disse ver, principalmente, duas coisas que dividem os europeus: "Ainda temos duas grandes questões não superadas – a crise econômica e financeira que causou uma divisão Norte-Sul na Europa e, em seguida, a onda migratória, na qual vemos uma divisão Leste-Oeste. Então, dependendo do tema, a Europa possui várias divisões."

Qual é a base comum?

Durante muito tempo, o objetivo de uma "união cada vez mais estreita" não foi questionado. No entanto, o mais tardar desde que franceses e holandeses rejeitaram uma Constituição europeia por meio de referendos populares em 2005, apareceu de repente uma fronteira de integração. Afinal, tratava-se de dois membros fundadores do bloco europeu que votavam dessa forma.

A política de resgate do euro e, finalmente, a crise migratória aceleraram um desenvolvimento inicialmente gradual. Hoje, os céticos da UE estão fortemente representados no Parlamento Europeu. Existem vários governos eurocéticos e, em praticamente todos os Parlamentos nacionais, estão representados partidos que procuram limitar o poder da UE, que querem fazer com que ela retroceda ou que desejam até mesmo abolir a União Europeia como um todo.

Mas o que serve ainda como base comum? Leinen acredita que a UE deve se concentrar, sobretudo, nas pessoas. "Os cidadãos têm interesses semelhantes: viver uma vida segura e boa, ou seja, ter segurança interna e externa; possuir, é claro, um emprego que permita uma vida decente, e desfrutar de um bom meio ambiente", justifica o eurodeputado.

Para evitar que ainda mais populistas de direita entrem no Parlamento Europeu após as eleições de 2019, Leinen aponta que "este ano será muito importante transmitir às pessoas o que pode ser alcançado com a Europa".

Os benefícios concretos e práticos de uma união europeia para os cidadãos, como a abolição das tarifas de roaming, a proteção ambiental e do consumidor precisam ser "mostrados ainda mais", considera o eurodeputado.

Paris Merkel und Macron
Macron e Merkel: cooperação franco-alemã tem impacto para além dos dois paísesFoto: Reuters/S. Mahe

Nada de Estados Unidos da Europa

Por outro lado, fracassaram duas recentes tentativas para fazer com que a grande roda da política europeia voltasse a girar. Pouco antes das eleições legislativas alemãs, em setembro do ano passado, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, defendeu uma rápida expansão da zona do euro e do Espaço Schengen de livre circulação, visando incluir o maior número possível de países-membros da UE.

A reação foi rápida e intensa. Na Alemanha, por exemplo, o líder do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Lindner, cuja legenda foi vista por muito tempo como parte de um novo governo de coalizão, afirmou: "O Sr. Juncker está avaliando mal a situação." Nas redes sociais, os usuários exigiram, sarcasticamente, pacotes de resgate financeiro para a Romênia e a Bulgária.

O segundo exemplo veio de Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu e agora líder do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). No final de dezembro último, Schulz anunciou o objetivo de criar os Estados Unidos da Europa até 2025 e que quem não quisesse participar deveria sair da UE.

O líder da bancada parlamentar do partido alemão União Social Cristã (CSU), Alexander Dobrindt, classificou Schulz de "radical europeu" e disse: "Esse tipo de Europa significa simplesmente menos Alemanha." 

Nas recentes conversações entre social-democratas e conservadores para negociar uma coalizão de governo na Alemanha, a iniciativa de Schulz não teve mais nenhuma importância.

Cooperação franco-alemã

Por outro lado, algo que foi proclamado por Macron deverá ter importância para o próximo governo alemão: o presidente francês pediu o "restabelecimento de uma Europa soberana, unida e democrática", um ministro europeu das Finanças e um orçamento próprio para a zona do euro.

Como Merkel – antiga e provavelmente futura chanceler federal alemã – reagirá a isso ainda é uma incógnita. De qualquer forma, ela está convencida da importância de uma estreita cooperação franco-alemã.

Stefan Seidendorf, vice-diretor do Instituto Franco-Alemão em Ludwigsburg, afirmou que essa cooperação seria importante não só para os dois países, mas também para toda a UE e sua coesão, justamente porque Alemanha e França são tão diferentes.

"A cooperação com Paris é tão bem-sucedida, porque a França tradicionalmente representa o polo oposto da Alemanha", diz Seidendorf. Segundo o especialista, quando ambos concordam, isso geralmente é visto na Europa como uma espécie de meio-termo, que é mais ou menos aceitável para todos os outros países. "E esse é, basicamente, o valor desse relacionamento especial até hoje."

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