Uma orgia ilegal e um político ultraconservador em desgraça
2 de dezembro de 2020Observadores dizem às vezes que Bruxelas é chata demais. Um dos motivos seria que se ouve muito pouco sobre affairs e escândalos sexuais, embora seja uma movimentada capital europeia. Mas a verdade é que também há casos deste tipo na cidade – só que acontecem a portas fechadas. O que mudou isso, curiosamente, foi a pandemia.
Desde o fim de outubro, a Bélgica está em lockdown. Impera no país um toque de recolher noturno, e reuniões de mais de quatro pessoas estão proibidas. Em princípio, só uma pessoa de fora de um domicílio pode ser convidada. Jantares, festas e reuniões só podem, portanto, ter lugar legalmente dentro do círculo familiar mais próximo.
Na última sexta-feira (27/10) a polícia belga não precisou ir muito longe para chegar à Rue des Pierres, famosa pelos bares da cena gay de Bruxelas. A delegacia fica a apenas algumas esquinas de distância. Após uma queixa dos vizinhos por barulho excessivo, os policiais baterem à porta de um apartamento que fica justamente acima de um desses bares, que estava fechado devido à pandemia.
Cerca de 20 pessoas foram surpreendidas "em uma festa privada", que está sendo descrita pela imprensa belga como uma orgia. Eles também mencionam uma aparente falta de roupas entre os participantes, em sua maioria homens. A identidade dos participantes foi checada, dois deles mostraram passaportes diplomáticos. Multas foram distribuídas, e maioria colaborou com as autoridades.
Um deles, no entanto, tentou fugir de maneira espetacular: "Um pedestre disse à polícia que um homem tentou escapar descendo por um cano na fachada. Suas mãos estavam ensanguentadas, talvez pela tentativa de fuga", diz um comunicado do Ministério Público, que continua: "Foram encontradas drogas em sua mochila e ele não mostrou nenhuma identificação. Foi posteriormente identificado como S.J. em seu apartamento com base em um passaporte diplomático".
"Fugitivo pelado"
A imprensa de Bruxelas até fala em um "fugitivo pelado". A abreviatura S.J. significa Jozsef Szajer, membro de longa data do partido governista húngaro Fidesz e próximo ao primeiro-ministro Viktor Orbán. Seu movimento tem o nacionalismo e o ultraconservadorismo como marca.
Em uma declaração oficial, Szajer pediu desculpas por sua participação na festa ilegal. "Lamento profundamente ter violado as regras da covid, foi irresponsável. Eu pagarei a pena apropriada".
Ele pediu desculpas a sua família, seus colegas, seus eleitores e pediu que seu erro seja avaliado com o pano de fundo de 30 anos de "trabalho político duro". Solicitou, ainda, que o ocorrido não seja atribuído a seu país ou a seu partido.
Szajer também admitiu que a polícia encontrou um comprimido de ecstasy com ele. No entanto, ele nega ter algo a ver com a droga ilegal.
Luta contra gays
A confissão explica o mistério da inesperada renúncia de Szajer no último fim de semana, que foi recebida pelos jornalistas da União Europeia (UE) através de um comunicado de imprensa. O comunicado falava vagamente de "razões pessoais". O eurodeputado húngaro escreveu que, há algum tempo, participar da luta política diária havia se tornado um "estresse crescente" para ele.
Quando foi feito o anúncio, ninguém imaginou que ele tivesse procurado relaxamento durante o lockdown justamente em uma orgia ilegal. Foi somente nesta terça-feira que se esclareceu o pano de fundo da história, que não passou em branco entre críticos do político conservador e seu partido nas mídias.
Nos posts, Szajer é acusado de "hipocrisia" por levar uma vida sexual livre em Bruxelas, enquanto mina os direitos LGBT em casa, na Hungria. De fato, o político húngaro teve papel importante em 2011 em uma emenda constitucional que consagra o casamento na Hungria exclusivamente como uma união entre homem e mulher.
Há anos, Orbán e seu partido Fidesz têm defendido cada vez mais os chamados "valores cristãos" e a família tradicional, atacando os direitos LGBT como uma consequência de ideias liberais ocidentais a serem combatidas.
Fim da carreira política
Szajer é casado com uma conhecida jurista, juíza no mais alto tribunal da Hungria, e tem uma filha com ela. Seu partido inicialmente comentou a renúncia de seu proeminente membro na segunda-feira, sem indício de escândalos privados. Szajer, afirmava a nota, havia dado uma contribuição decisiva para "permitir que o conservadorismo burguês húngaro e a democracia cristã ocupassem seu devido lugar na cena política europeia".
Mas, na terça-feira, após a humilhação pública, o tom do Fidesz mudou radicalmente. Sua bancada no Parlamento Europeu comentou sucintamente que Szajer havia "tomado a única decisão correta".
Isso parece selar o fim da carreira política de Szajer. Para os deputados do Fidesz, que durante anos não foram afetados pelos ataque à democracia húngara, a zombaria contra um dos seus provavelmente se tornou um fardo insuportável.