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Venezuela já prendeu mais de 5 mil durante crise

8 de agosto de 2017

ONU denuncia tortura, detenções arbitrárias e uso sistemático de força excessiva contra manifestantes desde abril. Forças de segurança seriam responsáveis pela morte de pelo menos 46 pessoas.

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Policiais em ação durante protesto em Caracas no fim de julho
Policiais em ação durante protesto em Caracas no fim de julhoFoto: Getty Images/AFP/C. Becerra

Forças de segurança venezuelanas usaram de força excessiva para reprimir protestos, matando dezenas de manifestantes, e detiveram mais de cinco mil pessoas desde abril deste ano – mil delas ainda estão presas. As declarações foram feitas nesta terça-feira (08/08) pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

A agência da ONU disse ter investigado 124 mortes, das quais 46 atribuídas às forças de segurança venezuelanas. Das mortes, 27 seriam de responsabilidade de grupos armados pró-governo. A autoria do restante das fatalidades ainda não foi esclarecida.

"Estamos preocupados que a situação na Venezuela esteja sendo alvo de uma escalada, e essas violações dos direitos humanos não estão dando sinais de redução", disse a porta-voz da ONU  para Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani.

O comunicado da ONU também afirma que as Nações Unidas documentaram o uso "generalizado e sistemático da força e detenções arbitrárias contra manifestantes na Venezuela".

As violações de direitos humanos no país também incluíram buscas nas casas [de opositores], tortura e maus-tratos de detentos que têm relação com os protestos." A ONU deverá divulgar um relatório sobre a crise na Venezuela no final deste mês.

Na segunda-feira (07/08), a União Europeia acusou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de minar a perspectiva de retorno à ordem democrática no país – afirmação rejeitada pelo governo venezuelano.

Cúpula sul-americana

Com a esperança de acordo sobre uma resposta regional à crise política que se acirra na Venezuela, os ministros das Relações Exteriores de 14 países se reúnem nesta terça-feira (08/08) em Lima, atendendo à convocação do presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski.  Ele é um dos principais críticos do governo Maduro na América Latina e vem atacando com veemência a Assembleia Constituinte, eleita no dia 30 de julho e cuja legitimidade foi questionada tanto no plano nacional quanto fora da Venezuela.

Argentina, Barbados, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Jamaica, México, Panamá e Santa Lucía confirmaram presença na reunião, disse o chanceler peruano, Ricardo Luna. Segundo ele, o plano é que o grupo reunido em Lima se converta num mecanismo permanente de acompanhamento da situação na Venezuela. Não está prevista a ruptura de relações diplomáticas do grupo com Caracas, mas o Peru – que há meses retirou seu embaixador da capital venezuelana – não descarta fazê-lo de forma unilateral.

Maduro afirmou, por seu lado, que a reunião foi convocada "para lançar uma agressão econômica, política, diplomática e militar contra a Venezuela". Ele conta com o apoio do governo equatoriano, que respaldou na segunda-feira o "direito legítimo" da Venezuela de instalar o Poder Constituinte – uma decisão "geral do povo" que não pode ser questionada por outros Estados.

Assembleia com plenos poderes

Apesar das crescentes críticas internacionais, Maduro continua pressionando firmemente a Assembleia Constituinte, de maioria governista, a executar as prioridades de seu governo.

Manifestantes com pneus queimados em Valência, Venezuela
Autoridades de segurança fizeram "uso excessivo da força" contra manifestantes, diz ONUFoto: Picture-Alliance/Zumapress/J. C. Hermandez

Também nesta terça-feira e pela primeira vez desde que votou, no último sábado (05/08), pela remoção da procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz, a Assembleia Constituinte da Venezuela deverá se reunir novamente.

O novo grêmio sinalizou que vai cumprir velozmente as ordens de Maduro. Segundo o próprio presidente e outros membros da Constituinte, o plano é eliminar a imunidade parlamentaria dos deputados. Além da destituição de Ortega no fim de semana, a Assembleia deverá criar uma "comissão da verdade" para garantir que a Justiça indenize as famílias das mais de cem vítimas  da violência na onda de protestos que abala a Venezuela. Além disso, dará poderes supremos para instituir processos e pronunciar sentenças.

Ao mesmo tempo, parlamentares da oposição disseram que vão manter suas posições no único foro oficial onde ainda podem atuar: a Assembleia Nacional Venezuelana, o Parlamento de maioria oposicionista que também funciona no chamado Hemiciclo Palácio Legislativo de Caracas. Os deputados da Assembleia Nacional não reconhecem a Constituinte e a consideram um instrumento do governo de Maduro para instaurar uma ditadura.

Na segunda-feira (07/08), membros do Parlamento aprovaram por unanimidade um texto no qual dizem que não reconhecerão nenhum dos novos decretos da Constituinte.

Oposição barrada

O abismo político se alarga na Venezuela num momento em que os partidos da oposição precisam decidir rapidamente sobre a inscrição nas eleições regionais marcadas para dezembro deste ano, após adiamentos sucessivos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) – o pleito deveria ter sido realizado em 2016. As inscrições foram abertas nesta terça-feira.

Manifestantes durante eleição da Assembleia Constituinte, que tem "plenos poderes" sobre outras instituições do governo
Manifestantes durante eleição da Assembleia Constituinte, que tem "plenos poderes" sobre outras instituições do governoFoto: Reuters/C. Veron

Os oposicionistas se recusaram a se envolver nas eleições para a Assembleia Constituinte, mas não sabem se vão concorrer a postos de governadores e para as assembleias legislativas estaduais, uma vez que temem que as votações sejam manipuladas – estimativas mostram que o apoio popular a Maduro não deverá exceder 20% das intenções de voto.

O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) anunciou a lista de partidos políticos que poderão se inscrever nas eleições de dezembro, adiantando que não permitirá a apresentação da coalizão oposicionista MUD em sete dos 23 estados do país.

A MUD (Mesa da Unidade Democrática) é a coalizão que agrupa os principais partidos opositores e tem maioria absoluta no Parlamento nacional (Assembleia Nacional Venezuelana).

Novos protestos

Nesta segunda-feira, a MUD convocou os venezuelanos a irem às ruas em todo o país para protestar contra a Assembleia Constituinte.

Desde a votação do grêmio, as manifestações contra Nicolás Maduro vêm diminuindo, após semanas de bloqueios. O "esfriamento" das ruas se deve ao fato de que "muitos dos nossos têm que decidir entre comer e protestar", avaliou o deputado oposicionista Juan Requesens.

À onda de protestos que abala o país desde abril, somou-se, no último domingo, o ataque a uma base militar por um grupo de 20 militantes antigoverno, numa aparente tentativa de iniciar uma insurreição contra Maduro.

Na segunda-feira, um grupo de hackers afirmou ter atacado 40 websites do governo, incluindo as páginas do Supremo Tribunal e do CNE, que havia organizado a eleição para a Assembleia Constituinte de Maduro. O autodenominado grupo The Binary Guardians (Os Guardiães Binários, em tradução livre), afirmou no Twitter que queria demonstrar apoio ao levante de domingo. Nas páginas atacadas, os hackers convocaram opositores a mais protestos e postaram uma declaração de apoio ao ataque à base militar, além de um trecho do filme O Grande Ditador, de Charlie Chaplin.

RK/ap/efe/dpa/rtr