Ver, ouvir e degustar história em Leipzig
2 de julho de 2011A cidade de Leipzig, no leste da Alemanha, é repleta de história, cultura e gastronomia. Remetem à cidade o maior monumento da Europa, em homenagem à Batalha das Nações, de 1813, o compositor Johann Sebastian Bach, e as históricas manifestações das segundas-feiras, de 1989, que levaram ao fim da República Democrática Alemã.
E também Goethe, cuja obra Fausto inaugurou mais um importante capítulo da história de Leipzig, ao fazer de uma hospedaria um dos mais famosos destinos gastronômicos do mundo: a cave de Auerbach.
Hoje, a gastronomia é parte essencial da cultura de Leipzig. "O prato mais conhecido é o Leipziger Allerlei, mas há ainda a Leipziger Lerche, os Leipziger Räbchen e, como bebidas típicas, a Goose – uma cerveja de alta fermentação – e o verdadeiro Leipziger Allasch – um licor de cominho. Essas são as cinco especialidades de Leipzig", diz a guia turística Christa Schwarz aos visitantes. E ela sabe indicar onde o original e o fresco – e não variantes enlatadas e industrializadas – chegam ao prato.
Aqui reina a tradição
No restaurante tradicional Zills Tunnel, todos os dias, o confeiteiro Gerd Zerenner prepara Leipziger Räbchen fresquinhos. "São ameixas recheadas com marzipã, envoltas em massa, fritas e depois servidas com uma espuma de baunilha", explica o mestre dos bolinhos.
E é claro que uma cerveja regional não poderia faltar no Zills: a Goose. A bebida porém, não obedece à Reinheitsgebot, a lei de pureza alemã, pois leva tradicionalmente sal e coentro.
Por ser uma espécie de marca registrada da cidade, a mistura de legumes cozidos conhecida como Leipziger Allerlei é preparada com capricho no Zills Tunnel. O restaurante serve o prato mais famoso de Leipzig o ano todo, e, no inverno, utiliza aspargo congelado.
Tudo começou com sonegação fiscal
A poucos metros dali, no estabelecimento de Peter Steffen, o prato de verduras só entra no cardápio durante a primavera, quando é época de aspargos. Eles devem compor a receita de qualquer maneira, assim como cogumelos Morcheln (Morchella, em português) frescos e lagostins.
Segundo a lenda, o Leipziger Allerlei nasceu como uma forma de contornar o fisco. "Antigamente, para se tributar as residências, considerava-se o que as pessoas comiam. E, para enganar os fiscais, colocava-se o Leipziger Allerlei sobre a mesa. Era uma grande quantidade de vegetais, a carne ficava de fora. Assim a tributação não era tão alta porque se acreditava que ali não se dispunha de tanto dinheiro", explica Steffen. Além dos aspargos e dos cogumelos Morcheln obrigatórios, cenouras, couve-flor, ervilhas e lagostins também fazem parte da mais famosa receita de Leipzig.
Hoje, a maior parte dos Morcheln e dos lagostins vem do exterior. Antes, os ingredientes nobres cresciam no quintal de casa, diz Steffen. "Antigamente, as mais densas matas ciliares da Europa ficavam ao redor de Leipzig. Nessas matas, havia pequenos riachos habitados por lagostins e ali também cresciam os Morcheln."
O café mais antigo da Alemanha
Peter Steffen serve o clássico de Leipzig em um restaurante espetacular, o Zum Arabischen Coffebaum – o café mais antigo da Alemanha e o segundo mais antigo da Europa. Trata-se de um complexo prédio do século 16, que em seus quatro andares abriga um bar, um restaurante e um museu. Mesmo durante os tempos da República Democrática Alemã, servia-se café ali, no chamado "café dos artistas". No segundo andar, a Stasi, polícia secreta, ficava escutando a conversa dos clientes.
Aroma de amêndoas
A poucos passos do Coffeebaum, bem em frente à igreja Thomaskirche – que ficou famosa por causa de Bach e das manifestações pelo fim do regime comunista –, René Kandler prepara outra especialidade de Leipzig: as Leipziger Lerchen. São pequenas tortinhas de massa podre com um recheio refinado.
As Leipziger Lerchen, em forma de ninho de passarinho, leva apenas marzipã genuíno. "Este é encorpado", garante. "O persipã utilizado para substituí-lo, com aroma de sementes de damasco, tem um gosto diferente. Não é tão delicado quanto o de amêndoas, sempre tem certa acidez. É um produto muito mais grosseiro."
No lugar da caça, a confeitaria
A Leipziger Lerche é uma receita com muita história e que passou por uma transformação bem-sucedida. No século 19, realmente consumiam-se cotovias (Lerchen, em alemão). E não eram poucos, segundo a guia Christa Schwarz. "Antigamente, os moradores de Leipzig chegavam a capturar mais de 400 mil cotovias por ano, que assavam, salgavam e enviavam como iguaria para toda a Europa, chegando à Noruega e à Rússia."
"Até mesmo os franceses apreciavam as Leipziger Lerchen", diz. Mas, em 1876, o rei da Saxônia proibiu a caça, pois as cotovias da região de Leipzig estavam ameaçadas de extinção. Um esperto confeiteiro percebeu, então, a lacuna de mercado e começou a preparar uma tortinha de massa de empada que imitava o formato das cestas em que antes eram transportadas as cotovias. E assim nascia mais uma tradição.
Autor: Günther Birkenstock (lf)
Revisão: Roselaine Wandscheer