A cruzada do crucifixo
5 de novembro de 2009As críticas não param, mesmo dias após a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos proibindo crucifixos nas salas de aula escolas públicas italianas. O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, afirmou que o veredicto é um motivo para se "duvidar da sanidade mental da Europa".
A edição desta quinta-feira (05/10) do renomado jornal católico Avvenire também atacou a conclusão dos juízes, dizendo que ela cria uma onda de animosidade em relação à cruz e faz do continente uma "terra de ninguém". A decisão repercutiu também na Alemanha, onde nos anos 90 Tribunal Constitucional Federal decidiu que crucifixos devem ser retirados da decoração das salas de aula, caso os alunos se sintam incomodados.
Na época, o símbolo cristão tinha como um de seus mais influentes aliados o cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e hoje papa Bento 16. O Vaticano lamenta agora o veredicto europeu. "Esta Europa do terceiro milênio nos tira os símbolos mais valiosos e nos deixa somente as abóboras da festa de Halloween", afirmou Tarcisio Bertone, secretário do Estado do Vaticano.
Liberdade de religião
No entender do tribunal sediado em Estrasburgo, uma cruz dentro de uma sala de aula de uma escola pública atenta contra a liberdade de religião dos estudantes e contra a obrigação de neutralidade religiosa do Estado. A decisão atinge a Itália, um país profundamente católico, dono de uma história longa e comum com a Igreja e com seus papas. Em 2006, os juízes do supremo italiano haviam decidido contra uma mãe que se disse incomodada com o crucifixo pendurado nas salas de aula de seus filhos. Após fracassar nos tribunais de seu país, ela foi até a última instância europeia.
Entre os argumentos dos magistrados italianos para negar o recurso, estava o conceito de que a cruz é hoje um símbolo para os valores da Itália e do Estado, considerando que a religião católica é a única citada na Constituição do país.
O governo de Roma pretende recorrer da decisão. Somente caso o recurso não tenha sucesso, os crucifixos terão que ser retirados das salas de aula italianas. Para Berlusconi, que há meses vinha enfrentando críticas da Igreja devido a seus deslizes na vida privada, essa é uma oportunidade para ganhar pontos com os religiosos e com o eleitorado católico, posando como novo defensor dos valores cristãos.
Na Alemanha, políticos conservadores e representantes da Igreja se manifestaram contra a decisão. O padre Hans Langendörfer, secretário da Conferência dos Bispos da Alemanha, disse que a notícia é uma "grande decepção", observando, entretanto, que o veredicto só diz respeito à Itália e não terá influência sobre a situação atual na Alemanha.
Símbolo de humanismo
Há 13 anos, esse mesmo debate causou controvérsia no país. Em 1995, pais de uma escola no estado da Baviera, de população eminentemente católica, conseguiram que Tribunal Constitucional declarasse como inválido um trecho dos regulamentos escolares daquele estado, em que era prevista a presença de um crucifixo em toda sala de aulas dos colégios da região. Os juízes basearam a decisão na neutralidade do Estado, enquanto os religiosos alegaram que a cruz é um símbolo cultural para paz e humanismo.
Com a derrota, o governo da Baviera se decidiu por uma solução alternativa, segundo a qual os crucifixos poderiam continuar nas classes, até que alguém proteste com argumentos justos. A atual decisão de Estrasburgo foi considerada "infeliz" pelo secretário de Cultura bávaro, Ludwig Spaenle. Ele ressaltou que as cruzes continuarão penduradas nas salas de aula da região e que só serão retiradas caso pais ou alunos se manifestarem contra "por motivos de credo ou ideológicos".
Algumas escolas básicas locais não apresentam mais crucifixos em seus recintos, devido a reclamações de pais ou de funcionários. Nos outros estados alemães, o problema é quase inexistente. Embora em muitos estados haja discussões sobre a importância de se ministrar aulas de religião nas escolas públicas, somente a Baviera tinha o crucifixo nas paredes como uma regra escolar oficial.
MD/dpa/kna
Revisão: Augusto Valente