Veto a Jobim deixa eleição na Venezuela mais obscura
21 de outubro de 2015O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu não participar da missão de observação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) nas eleições legislativas da Venezuela. A decisão foi tomada na terça-feira (21/10) após o governo Nicolás Maduro vetar a presença do ex-presidente do tribunal e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim na delegação.
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, a isenção de Nelson Jobim parece incomodar a Venezuela. E, com a decisão, Maduro gera ainda mais dúvida um processo eleitoral cuja transparência já é amplamente criticada pela oposição.
A votação deverá ser uma das mais difíceis para o governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sob pressão num momento em que o país passa por uma recessão e enfrenta uma explosão da inflação.
"Nelson Jobim consegue exercer um trabalho independente e não se mostra vassalo de nenhum grupo político. Talvez ele mostre uma isenção que a Venezuela não esteja acostumada", afirma Márcio Coimbra, coordenador do MBA Relações Institucionais do Ibmec/DF. "Por ele transitar por todos os grupos políticos e ter interlocução com a oposição brasileira, isso explicaria o fato de a Venezuela não gostar no nome dele para este tipo de trabalho."
O nome de Nelson Jobim – ex-ministro da Justiça do governo FHC e da Defesa do governo Lula; e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do próprio TSE – fortaleceria institucionalmente o processo eleitoral e levaria uma maior credibilidade à observação internacional.
A Venezuela já havia vetado a participação de uma comissão de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), mais acostumado a esse tipo de missão. E coube à Unasul, em iniciativa amplamente apoiada pelo governo brasileiro, assumir a tarefa.
"Acho que o veto ao meu nome foi pela independência, pelo trabalho que eu poderia desenvolver lá. O governo da Venezuela queria que um grupo pudesse passear por lá, acompanhar a eleição, sem qualquer atividade efetiva por parte dos observadores", afirmou Jobim, citado pelo jornal O Globo.
Sem Brasil, missão perde força
Para o ex-ministro da Indústria José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o presidente venezuelano viu nessa missão, que seria conduzida por Jobim, uma ameaça aos seus planos. A atitude, para o especialista, demonstra um desespero de Maduro diante da eminência de uma derrota eleitoral.
"Com a saída do Brasil, a relevância dessa missão será muito baixa. Agora, certamente esses observadores vão com a principal preocupação de não incomodar o presidente Maduro e não vão ter a isenção e capacidade de analisar o pleito de forma independente", explica Botafogo Gonçalves, que já foi ex-embaixador do Brasil na Argentina.
O nome cotado para substituir Jobim é do ex-ministro das Relações Exteriores da Argentina Jorge Taiana, um peronista histórico e filho do ex-médico pessoal do general Juan Domingo Perón.
"Ele está comprometido com o kirchnerismo [ele foi chanceler de Nestor e Cristina Kirchner], tem uma simpatia e convergência ideológica com o chavismo e o bolivarianismo", diz Botafogo Gonçalves.
De acordo com uma nota do TSE, o nome de Jobim havia sido aprovado pela Presidência da República e submetido pelo Itamaraty à presidência pro tempore da Unasul.
O tribunal, diz o texto, também procurou contribuir para que a missão fosse regida por um acordo que permitisse observar as diferentes fases do processo eleitoral e verificar se as condições institucionais vigentes no país asseguram equidade na disputa eleitoral.
"A demora do órgão eleitoral venezuelano em pronunciar-se sobre a versão revista do acordo fez com que a missão não pudesse acompanhar a auditoria do sistema eletrônico de votação e tampouco iniciar a avaliação da observância da equidade na contenda eleitoral, o que, a menos de dois meses das eleições, inviabiliza uma observação adequada", diz a nota.
A rejeição ao nome de Jobim coloca em situação complicada a diplomacia brasileira, que vinha evitando criticar a Venezuela em crises recentes – como a violenta repressão aos protestos estudantis de 2014 – e sendo contestada por isso.
Uma opção seria confirmar a indicação de Jobim e exigir do governo Maduro que a missão da Unasul seja aceita assim. Outra, em caso de rejeição, seria pôr em questão publicamente a transparência das eleições venezuelanas.
Procurado pela da DW Brasil, o Itamaraty optou por não se pronunciar. A Embaixada da Venezuela em Brasília e a Unasul não se manifestaram até o fechamento da reportagem.