Vida acadêmica e/ou filhos: o dilema das mulheres alemãs
29 de junho de 2005Embora, teoricamente, muitas mulheres alemãs afirmem que gostariam de ter filhos, basta observar a estrutura social do país para saber: conciliar a vida de mãe com uma carreira bem-sucedida não costuma ser uma tarefa das mais fáceis. Em busca de testemunhos que vão contra a suposta impossibilidade de unir uma vida profissional à criação de filhos, foi editado recentemente no país o volume Carreira e Criança.
Katharina Landfester, uma das autoras do livro, acredita que faltam na Alemanha modelos conhecidos de mulheres bem-sucedidas profissionalmente, mas que nem por isso deixaram de ter filhos. "A maioria das cientistas vêem que realmente, em muitos casos, não é possível levar as duas coisas. Elas observam casos de colegas ou conhecidas que tiveram que abandonar seus empregos porque tiveram filhos. O que é raro ver no país são casos de mulheres com filhos exercendo com sucesso atividades acadêmicas. Buscamos e entrevistamos mulheres de toda a Alemanha, que deram seus testemunhos", conta Landfester.
"Duas profissões"
O volume Carreira e Criança não pretende fornecer receitas mágicas, mas simplesmente recolhe 30 depoimentos que ilustram como situações do dia-a-dia podem ser contornadas. Pois, no país, exercer o que se vê como "duas profissões" ao mesmo tempo – mãe e cientista ou pesquisadora – é tido como um grande desafio.
Diante das enormes dificuldades, que vão da visão da sociedade sobre a mulher, passam pela postura do homem como pai e terminam numa deficiência gritante no número de creches e escolas em horário integral, é preciso ter bastante estômago para enfrentar o quase paradoxo que se criou entre vida acadêmica e filhos.
Esgotamento profundo
"Em vários dos testemunhos, as mulheres falam de seu esgotamento profundo e dizem que muitas vezes se sentem tentadas a jogar tudo para o alto. Mas então percebem que estão realmente conseguindo", comenta Landfester. Pois a vida acadêmica na Alemanha não equivale a um trabalho qualquer. Entre as dificuldades, está a necessidade de se afirmar em instituições de pesquisa concorridíssimas. O que costuma ser um trabalho de tirar o fôlego.
Isso sem mencionar que, muitas vezes, essas mulheres estão envolvidas com pesquisas específicas individuais, que simplesmente não podem ser conduzidas por outras pessoas. Por isso, muitas delas abdicam até mesmo da licença-maternidade e, quando não fazem isso, interrompem suas atividades por no máximo seis meses.
Falta de infra-estrutura e de ajuda do Estado
E é exatamente aí, neste momento, que sentem o vácuo da sociedade alemã no que diz respeito à infra-estrutura para quem tem filhos pequenos. Um dos grandes problemas enfrentados pelas pesquisadoras (e não só por elas): a falta de vagas suficientes nos jardins-de-infância e os horários absurdos de muitos deles, que simplesmente fecham suas portas entre 12 e 14 horas. Ou seja, via de regra, apenas donas-de-casa têm tempo para ir buscar seus filhos na escola, levar para casa, dar almoço, e retornar à instituição.
Christiane Nüsslein-Volhard, ganhadora do Prêmio Nobel de Medicina, que trabalha no Instituto Max-Planck, conta como resolveu o problema: "Quando duas cientistas tiveram filhos, foi criada no Instituto uma creche, que é uma organização completamente privada. É uma associação particular, que não tem apenas vagas para os funcionários do Instituto Max Planck, mas é aberta para a comunidade. E funciona bem. Já os custos são muito altos, pois o Estado não fornece nenhuma ajuda quando se trata de crianças pequenas. Isso porque acham que as mães deveriam ficar em casa, cuidando dos filhos. O que, na nossa profissão, seria um problema enorme. Se uma mulher pára de trabalhar durante três anos, ela pode se despedir da vida acadêmica".
Tempo e flexibilidade
Com o objetivo de dar apoio a pesquisadoras jovens com filhos, Christiane Nüsslein-Volhard criou uma fundação que auxilia doutorandas no cuidado das crianças e fornece apoio nas tarefas domésticas. Pois tempo e flexibilidade é exatamente o que essas mulheres necessitam para dar continuidade à vida acadêmica.
Assustador é o fato de que a Alemanha, um país rico, industrializado, e cuja sociedade se diz moderna e desenvolvida, ainda questione o papel da mulher que concilia uma carreira científica com o papel de ser mãe. Uma professora universitária, autora de um dos testemunhos registrados no volume Carreira e Criança, conta, por exemplo, que nenhum de seus colegas de trabalho a parabenizou quando seus filhos nasceram.
Olhar de condenação
"Na Alemanha, ainda olham torto para as mulheres que tentam conciliar carreira e filhos. Tudo já começa com o vizinho, que muitas vezes diz 'huuum, não consigo imaginar que você criou mesmo bem seus filhos'. Até comentários de colegas do tipo 'o que, ela já está saindo de novo para ir buscar o filho na escolinha?'. São incontáveis os fatores que tornam tudo muito difícil", conclui Landfester.
Apenas do ponto de vista da organização, a decisão de ter filhos e seguir uma carreira já é, na Alemanha, um verdadeiro desafio. É comum as mulheres optarem por trabalhos que estão muito abaixo de suas capacidades, simplesmente porque os horários de trabalho permitem, por exemplo, uma vida em família sem maiores transtornos. Ou, na pior das hipóteses, elas desistem de vez e se tornam donas-de-casa.
O que ignoram, observa Nüsslein, é o que será delas quando os filhos estiverem crescidos e saírem de casa. Uma repetição do dilema das velhas gerações, que em muitos países do mundo já está bem resolvido, mas, na Alemanha, ainda parece a anos-luz de ser solucionado.