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LifestyleGlobal

Vintage ou retrô: moda olímpica sob o signo da nostalgia

Vinicius Pereira
Publicado 26 de julho de 2024Última atualização 27 de julho de 2024

Designers dos uniformes de Jogos Olímpicos de Paris 2024 se inspiram em "anos dourados" reais ou fictícios, anteriores à globalização e excessos de conectividade, que pareciam bem mais simples, harmônicos e seguros.

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Atleta Kamren Larsen diante de uniformes olímpicos da Ralph Lauren
Uniforme da Ralph Lauren para os EUA: toque nostálgico 'college'Foto: Charles Sykes/Invision/AP/picture alliance

Na capital francesa, conhecida como um dos mais importantes centros da moda no mundo, marcas deverão esbanjar referências ao passado durante os Jogos Olímpicos de Verão 2024. A Ralph Lauren assina o uniforme dos atletas Estados Unidos com um toque nostálgico da época do colégio. A Berluti, da LVMH – conglomerado de moda dono da Louis Vuitton – que vai produzir os uniformes da França, apostou nos toques clássicos. Já a Lacoste foi um pouco mais longe e lançou uma coleção em referência aos Jogos de Paris 1924.

A nostalgia vai além das disputas esportivas na "Cidade-Luz". No TikTok e Instagram, milhares de fotos com camisas esportivas retrôs são compartilhadas nessa nova trend, que leva a hashtag #vintage ou #classicfootballshirts. E não é só restrita a moda. Séries como Friends, fones de ouvidos com fios e máquinas fotográficas analógicas, sucesso nos anos 1990, completam a onda desse chamado à década anterior ao auge da globalização e da hiperconectividade.

Chamado ao passado

Apesar de só agora ter chegado ao grande público por meio dos grandes eventos esportivos, a tendência de usar roupas que remetem a uma certa "era dourada" começou a ser identificada pelas principais companhias do setor há cerca de dois anos, quando o mundo saía da pandemia de covid-19.

Durante a pandemia, a conectividade ao celular e às redes sociais alcançou níveis intensos, dadas as restrições à circulação impostas para combater a disseminação do vírus. Soma-se a isso o aumento da desigualdade em locais como EUA e a União Europeia, a invasão da Ucrânia pela Rússia e as centenas de desastres climáticos, que ocorreram nos meses seguintes e marcaram a sociedade com uma incerteza maior em relação ao futuro.

De acordo com a WGSN – maior empresa de previsão de tendências que fornece às marcas globais previsões de consumo –, esse mundo mais incerto fez surgir a tendência de valorização de um período anterior à hiperconectividade das redes sociais e smartphones, marcado principalmente pelos anos 1990. Por isso a necessidade de consumir produtos e experiências que remetem a esse período em que a vida era mais simples e fácil.

Essa tendência retrô também deu as caras nos eventos esportivos disputados em junho de 2024. Na Copa América, o técnico do Brasil, Dorival Júnior, usou o mesmo modelo de casaco da fornecedora esportiva Nike que o ex-técnico Zagallo utilizou na Copa de 1998.

A Adidas, que patrocina a Argentina, de Lionel Messi, não ficou de fora da tendência, lançando uma nova camisa retrô idêntica à vestida por Diego Maradona em sua última Copa, de 1994. Já para a Alemanha e Espanha, a marca de material esportivo optou por lançar uma jaqueta igual à usada na Euro 1996.

Para Rose Stadler, coordenadora do Curso de Design de Moda da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, essa tendência de consumo voltada ao passado busca resgatar memórias, mesmo que fantasiosas, de que um tempo passado era mais feliz.

Equipe olímpica da Indonésia
Equipe da Indonésia: como décadas atrásFoto: Davy Linggar

"O espírito dos anos 1990 está muito presente na moda como um todo. E não é só nesse segmento esportivo, está também no casual, nas passarelas. É uma questão geracional, dado que a geração dos anos 1980 tem uma identificação muito grande com a década seguinte. Ela é meio que um período de ouro. Por isso, hoje há esse movimento de reinterpretar aquilo que se usava antigamente, fazendo uma releitura, um melhoramento, uma readaptação."

O advento das redes sociais também faz essas tendências, que começam nas ruas, se espalharem de maneira mais orgânica. "Tanto as marcas usam as redes sociais para espalhar suas propostas, quanto as redes sociais trazem novas tendências através da forma como as coisas viralizam ou chamam mais atenção, porque elas acabam ressaltando uma ou outra iniciativa, e isso se torna tendência que também afeta a moda."

"Então, é um sistema que tem muito mais interferência dos dois lados. Diferente de 50 anos atrás, quando existia uma coisa mais hierárquica, top-down, hoje em dia é tudo muito mais em rede", afirma Marília Carvalhinha, coordenadora da pós-graduação em Negócios e Varejo de Moda da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

Técnico do Brasil Dorival Júnior
Modelo do casaco do técnico Dorival Júnior na Copa América 2024 foi o mesmo de Zagallo na Copa de 1998Foto: ROBYN BECK/AFP

Por isso o movimento vai além de quem viveu essa época. De acordo com a economista Paula Sauler, docente de Economia Comportamental na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, a maneira de se vestir é um exemplo de atitudes aprendidas a partir da observação, da convivência e que podem levar ao consumo de certos produtos. Assim, a tendência de nostalgia dos anos 1990 foi além da geração que viveu o período. Além disso, a trend seria uma reação a um novo padrão econômico de vida.

"Essa volta à pré-hiperconectividade pode ser uma resposta à ansiedade que tantas demandas na frente das telas têm causado. Essa trend de retorno a simplicidade pode ser uma forma de colocar esse novo padrão de vida mais simples como um novo estilo, na moda; e reduz-se então a sensação de perda, ou mesmo o "FOMO" [fear of missing out – medo de ficar de fora] que poderia atingir quem não quer ficar fora do grupo, mas não consegue financeiramente acompanhar os integrantes nesse modo de vida."

Economia agrava nostalgia

Para além da conectividade excessiva dos dias atuais, um fenômeno econômico também pesa nessa balança nostálgica, segundo especialistas. O processo de globalização, que começa com a neoliberalização comercial e financeira, marcada pela entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, acabou ajudando muito mais os países da Ásia do que o Ocidente, de acordo com o economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV.

Essa globalização comercial fez milhões de empregos "de qualidade", principalmente da indústria, saírem dos EUA e Europa, e irem para a Ásia.

Partida de tênis René Lacoste contra Vincent Richards nas quartas-de-final dos Jogos Olímpicos de Paris 1924
Paris 1924: coleção da Lacoste inspirou-se nos Jogos de 100 anos atrásFoto: Archives CNOSF/AFP/Getty Images

"Isso implicou a redução da classe média, pois os empregos da manufatura são os de salário mediano, porém mais estáveis, com maior proteção social e tudo mais. E essa estrutura foi desmoronando, uma parte dessa mão de obra se deslocou para os serviços, como hotelaria, alimentação e lazer, mas não são as mesmas condições de trabalho e salário que antigamente."

Já a globalização financeira exacerbada fez disparar a desigualdade nesses polos, nos últimos 30 anos, intensificando a sensação de que o passado era melhor. "Esses grandes conglomerados financeiros, aí sim, se espalharam pelo mundo inteiro, beneficiam uma camada reduzida da população. O resultado deles não se dissemina, gerando uma grande quantidade de empregos, e isso ajuda também a concentrar renda", conclui Marconi.