Violência e destruição na Amazônia avançam durante pandemia
15 de maio de 2020Área de conservação de Floresta Amazônica em Rondônia, o parque estadual Guajará Mirim não tem, oficialmente, área de invasão. Pelo contrário, o roubo de madeira teria caído 95% no local desde que a reserva foi decretada, em 1989, segundo informações publicadas pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam).
As notícias que vêm da região são, porém, de conflito e devastação. Na última operação para retirada de invasores, no início da semana, uma equipe de fiscalização foi "expulsa" e ameaçada pelos infratores. Acuados, na tentativa de achar uma saída segura pela mata, os agentes tiveram que passar a noite na floresta.
Na manhã desta quarta-feira (13/05), a equipe deixou o parque. Um vídeo gravado por um dos invasores mostra homens atrás do carro dos agentes, que transportava duas motos apreendidas. Também é possível ouvir a voz de uma mulher, que grita quando os policiais disparam balas de borracha para pôr fim à perseguição.
A cidade onde o parque tem sede, Nova Mamoré, a 281 quilômetros da capital, Porto Velho, decretou estado de calamidade pública por conta da pandemia de coronavírus. Na unidade de conservação, no entanto, a emergência de saúde não inibe os invasores: a floresta é desmatada, e terras são loteadas e vendidas para criação de pastagem e gado, segundo fontes ouvidas pela DW Brasil que preferem não se identificar por questão de segurança.
Questionadas pela reportagem, Sedam e Polícia Militar do estado não se manifestaram.
Esse episódio de violência não é um caso isolado no país. Não muito distante dali, indígenas uru-eu-wau-wau pedem ajuda para conter invasões na terra onde vivem. Em abril, o professor e agente ambiental Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi encontrado morto, com marcas de pancadas. A causa da morte não foi bem esclarecida até hoje, reclamam familiares.
"Desmatamento, grilagem e assassinato de indígenas também aumentaram. A gente pede para que autoridades nos ajudem, tomem providência rápido", diz o cacique Awapy Uru-Eu-Wau-Wau à DW Brasil.
Longe da Amazônia, infratores ambientais também deixam um rastro de morte. No começo de maio, o confronto com criminosos durante uma operação contra garimpo ilegal no parque estadual Intervales, em Sete Barras, estado de São Paulo, resultou na morte de Damião Cristino de Carvalho Junior, vigilante da Fundação Florestal.
"O crime compartilha características comuns à escalada de violência e destruição dos recursos naturais que vemos também de norte a sul do Brasil, da Amazônia à Mata Atlântica", diz uma nota assinada pelas organizações Imaflora, Fundação SOS Mata Atlântica, Rede Pró-UC, TNC e WWF-Brasil.
"O discurso e as ações do governo federal fortalecem a permissividade de invasões ilegais para atividades clandestinas, como o garimpo, que geram impactos ambientais praticamente irreversíveis nas áreas destinadas a preservar a natureza e o bem-estar de toda a sociedade", declaram as organizações.
Reação e força militar
Neste ambiente de escalada da violência e destruição da floresta, 3,8 mil militares começaram a desembarcar em Porto Velho, Belém e Cuiabá para combater crimes ambientais na Amazônia. É a resposta dada pelo Ministério da Defesa, que batizou a operação, deflagrada na última segunda-feira, de Verde Brasil 2.
A fase 1 da operação foi inaugurada no fim de agosto de 2019, no auge da temporada das queimadas na Amazônia, a qual rendeu imagens de devastação que chocaram o mundo. Na ocasião, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou que o governo do presidente Jair Bolsonaro agiu rápido no combate às chamas e que a situação não estava "fora de controle".
Apesar de as operações anunciadas, o que se viu desde então foi o aumento das taxas de desmatamento. De janeiro a abril deste ano, cerca de 1.202 quilômetros quadrados de floresta foram cortados, segundo medições de satélite feitas pelo sistema de alertas Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número representa um aumento de 55% em relação ao mesmo período do ano passado e é o mais alto para os quatro primeiros meses do ano desde 2015.
Com ampla experiência no combate ao desmatamento ilegal, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também não para de sofrer ataques. No início do mês, agentes que atuavam numa ação de combate à extração ilegal de madeira na Terra Indígena Cachoeira Seca, em Altamira, Pará, foram emboscados e agredidos por madeireiros.
"É inegável que o discurso antiambiental do atual governo vem comprometendo a fiscalização. No entanto, os ataques ao Ibama saíram dos discursos e agora se voltam contra não apenas o trabalho da instituição, mas contra a integridade física dos servidores", declarou um agente da instituição à DW Brasil, na condição de anonimato.
Desde que Bolsonaro assumiu o governo, o órgão vem perdendo a autonomia e sofrendo punições. No Ibama e ICMBio, servidores de carreira em postos de gerência são, paulatinamente, substituídos por militares, os quais nomeados para diversos cargos dentro dos institutos. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a Diretoria de Proteção Ambiental, responsável por toda a fiscalização ambiental federal no Brasil.
Recentemente, após uma operação de combate a garimpos ilegais para proteger indígenas do coronavírus, o governo exonerou toda a cúpula de fiscalização ambiental federal do Ibama: diretor, coordenador geral e coordenador de fiscalização ambiental.
"O sentimento que temos, nós, ativistas e também os servidores públicos, é de que o Estado não vai defender quem se opõe e denuncia os crimes", diz Danicley de Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace. "O crime não está sendo combatido. É impressionante a leniência contra o crime organizado. Há toda uma complacência do governo federal. A verdade é que o governo não tem soberania no Amazônia. O crime organizado comanda", diz.
A expectativa para novembro, quando o Inpe costuma divulgar a taxa anual de desmatamento, é de outro baque. O índice, que considera o período entre 1 de agosto e 31 de julho do ano subsequente, deve superar a marca de 2019, que atingiu o recorde de destruição florestal da década, com 9.762 km² de devastação.
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