"Violência em Baltimore poderia ser evitada"
29 de abril de 2015Em protesto pela morte do jovem negro Freddie Gray, de 25 anos, centenas de pessoas foram nesta semana às ruas de Baltimore, no estado americano de Maryland. Os tumultos começaram pós o funeral do rapaz, que reuniu mais de 3 mil pessoas numa igreja local. Os manifestantes atacaram estabelecimentos comerciais, atearam fogo em veículos da polícia e atiraram tijolos e garrafas contra forças de segurança, que responderam com spray de pimenta.
O rapaz afro-americano morreu no último dia 19 de abril, após sofrer graves lesões na coluna em circunstâncias ainda não esclarecidas. Policiais teriam rodado com ele no carro durante 30 minutos, antes de chamar socorro médico.
Em entrevista à DW, Sam Fulwood, especialista em direitos civis do think tank Center for American Progress, de Washington, afirma que os tumultos na cidade americana eram previsíveis. Para ele, as autoridades locais poderiam ter evitado os incidentes, caso tivessem lidado melhor com tensões raciais e sociais da região.
Fulwood destaca, entretanto, que os Estados Unidos fizeram grandes progressos na questão racial e da diversidade social. "Os EUA de 2015 estão muito distantes dos EUA de 1955", diz.
DW: No princípio, os protestos em Baltimore eram pacíficos, até que alguém na multidão atirou a primeira pedra, fazendo com que bairros inteiros fossem tomados pela violência. O que o senhor pode nos dizer sobre essa dinâmica?
Sam Fulwood: Ela segue padrões previsíveis, conhecidos em tumultos ocorridos em diversas áreas urbanas desde a década de 1960. Pelo fato de tudo ser tão previsível, deveríamos ter sido capazes de evitar isso.
Normalmente, acontece o seguinte: temos uma operação policial num ambiente urbano pobre. As pessoas ficam muito irritadas por isso e, em seguida, como resultado, começam a atirar pedras. No pior dos casos, chegam até a disparar armas de fogo – o que, felizmente, não chegou a ocorrer em Baltimore. A polícia reage, então, geralmente com uma demonstração exagerada de força. No final, temos tumultos generalizados.
Parece que há uma tensão latente, que é liberada durante tais confrontos. Por que as pessoas estão tão revoltadas?
Para algumas pessoas em comunidades urbanas, a vida é desproporcionalmente injusta. Mesmo que essa injustiça dificilmente seja notada pela sociedade em geral, ela é uma realidade em muitas dessas comunidades. As taxas de desemprego e de pobreza são mais elevadas, ofertas de emprego e de atividades de lazer são mais reduzidas. Há escassez de tudo aquilo que faz a vida valer a pena. As pessoas que ali vivem sabem muito bem que outras pessoas têm uma vida melhor. E elas ficam aborrecidas com isso.
Eu até fico surpreso que já não tenhamos tantas dessas atividades. O fato de termos tão poucas é curioso.
O senhor está falando dos tumultos?
Talvez não tumultos nessa escala, mas protestos de rua e desobediência civil. O fato de que não tenhamos muito disso mostra o quanto de paciência as pessoas têm.
Se olharmos para Ferguson, Cleveland, Carolina do Sul e, agora, Baltimore, vemos que os Estados Unidos passam por ciclos de confrontos periódicos com a polícia, seguidos de tumultos. E parece que ninguém aprende com isso. É algo realmente inevitável?
Acho, sim, que isso poderia ser evitado. Veja a Carolina do Sul. Quando foi revelado que um policial havia disparado contra um negro desarmado, as pessoas e a polícia na cidade de North Charleston reagiram de forma adequada. O policial foi preso e processado. Isso fez com que as tensões fossem um pouco aliviadas.
O senhor acha que o governador de Maryland e a prefeita de Baltimore reagiram adequadamente?
Os tumultos violentos eram previsíveis. Acho que cidades como Baltimore teriam possibilidade de lidar melhor com essas tensões.
O presidente Barack Obama disse que os americanos deveriam analisar a própria alma para quebrar esse ciclo de violência. Qual seriam as medidas necessárias para tal?
Esses confrontos estão profundamente enraizados na estrutura social do nosso país. Em muitas repartições governamentais, vejo certa relutância em admitir que essas estruturas existem e em lidar proativamente com elas. É claro que precisamos de uma polícia melhor. Em muitas cidades, o treinamento da polícia precisa ser completamente reformulado. E as próprias pessoas têm que se engajar mais, para garantir que seus bairros sejam seguros.
O senhor acredita que o presidente Obama mostra determinação suficiente em face do problema racial que abala há muitos anos os Estados Unidos?
Eu não sei se isso é uma tarefa só do presidente Obama. É um peso excessivo que está sendo imposto a ele. As pessoas pensam que ele é uma figura messiânica, porque é afro-americano. Mas é injusto esperar que ele seja, sozinho, aquele que pode resolver os problemas raciais que os Estados Unidos tem há 400 anos.
No início da entrevista, o senhor falou de padrões previsíveis de comportamento. O senhor tem esperança de que esse padrão seja quebrado algum dia?
Certamente não nas próximas semanas ou meses. Mas se pensarmos em termos de anos e décadas, então, vemos que fizemos progressos nos EUA. Mas as pessoas não são realistas se acham que em algum momento não teremos mais discriminação racial, sexual ou social. Mas acredito que fizemos progressos incríveis na questão racial e da diversidade social. Os EUA de 2015 estão muito distantes dos EUA de 1955. Devemos reconhecer que fizemos progressos. Mas não podemos medir esse progresso nas expectativas de que, no futuro, não teremos mais problemas raciais. Isso, provavelmente, nunca conseguiremos.