Visita evidencia longas relações entre o Vaticano e o Irã
26 de janeiro de 2016Há uma década e meia que não acontecia uma reunião de alto nível entre o líder da Igreja Católica e o presidente da Irã. O encontro anterior – e também primeiro –havia sido entre João Paulo 2º e Mohammad Khatami, em 1999. Por isso, a reunião desta terça-feira (26/01) entre o papa Francisco e Hassan Rohani, entre o sumo pontífice católico e o jurista islâmico que lidera um Estado teocrático, pode ser chamada de histórica.
A conversa entre os dois foi a portas fechadas. Ao final da audiência, o Vaticano anunciou, em comunicado, que Francisco pediu que Teerã coopere com países do Oriente Médio para promover a paz e interromper a expansão do terrorismo e do tráfico de armas na região. Segundo o Vaticano, o papel do Irã na região é muito importante. O comunicado destacou ainda "os valores espirituais comuns" entre o catolicismo e o islã xiita e "o bom relacionamento" entre o Vaticano e o Irã.
O Vaticano sempre deu valor ao diálogo com Teerã, em diferentes níveis. "Uma conversa pessoal entre o papa e o presidente é importante para estabelecer um nível de confiança. O Vaticano goza de prestígio no Irã porque é considerado um fator de equilíbrio", diz o monge dominicano Richard Nennstiel, diretor do Instituto Dominicano da História Cristã-Islâmica, em Hamburgo, e estudioso dos muçulmanos xiitas.
No diálogo de anos entre Teerã e o Vaticano, o principal assunto são questões teológicas. Nennstiel cita como exemplo o colóquio entre teólogos xiitas e católicos. O encontro tematiza em nível acadêmico a relação entre fé e razão, assim como as questões da violência e da tolerância religiosa. "Essas questões são sensíveis e precisam ser discutidas com isso em mente", afirma Nennstiel, ressaltando a situação dos católicos no Irã, cujo número é estimado em cerca de 6 mil, de um total de cerca de 50 mil cristãos que vivem no país.
Mas Francisco parece querer, como é típico dele, ir além dos assuntos acadêmicos em seus esforços de diálogo com o islã. O fato de que o papa argentino se deixou acompanhar por um amigo rabino de Buenos Aires, Abraham Skorka, durante sua visita a Jerusalém, em maio de 2014, chamou a atenção de muitos. Mas poucos se lembram de que lá, no Muro das Lamentações, também estava o imã Omar Abboud, de Buenos Aires, e os três se abraçaram – uma das fotos mais emblemáticas deste pontificado.
Surpreendentemente, é o sumo pontífice latino-americano que está na frente de qualquer de seus antecessores no diálogo pessoal com o islamismo. O que não surpreende é o boato, antes da reunião com Rohani, sobre uma visita de Francisco à Grande Mesquita de Roma. Um papa nunca visitou o local, mas é algo que se pode esperar de Francisco.
A atual visita de Rohani ao Vaticano estava marcada para 14 de novembro, mas, na véspera, aconteceram os atentados em Paris, e a viagem europeia do presidente iraniano foi cancelada. Ao ser retomada, ela foi, como anteriormente previsto, iniciada em Roma.
Limites do diálogo
O estatuto jurídico da Igreja Católica no Irã continua incerto, mas as relações diplomáticas existem há mais de 60 anos. Mesmo a Revolução Islâmica de 1979 não levou a uma ruptura.
O atual embaixador do papa em Teerã é o arcebispo Leo Boccardi, que já representou o Vaticano na ONU e na OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Boccardi é daqueles que, quando estão em Roma, são convidado para se sentar à mesa de Francisco.
O Vaticano também nunca escondeu sua preocupação perante as crescentes tensões entre a Arábia Saudita e o Irã, ao mesmo tempo que é favorável à manutenção da pressão sobre o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, para que não ele coloque entraves a uma solução pacífica para a guerra civil.
Assim, talvez o encontro desta terça-feira seja parte dos esforços do Vaticano para assumir um papel de mediação na guerra civil na Síria e possibilitar ajuda humanitária às pessoas necessitadas, independentemente da religião delas.
Direitos humanos
É certo que especialistas da Igreja Católica também veem com preocupação as violações dos direitos humanos no Irã. Mas, nesse ponto, o diálogo parece ter chegado aos seus limites. Em 2007, após o encontro entre o papa Bento 16 e o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami, em Roma, foi divulgada a declaração conjunta Fé e razão no cristianismo e no Islã. Ela incluía uma condenação do uso violento da fé e exortava ao respeito às religiões. Mas isso não mudou nada na atitude hostil do Irã em relação ao judaísmo e a Israel, nem na difícil situação dos cristãos no país teocrata.
Outro detalhe mostra a atenção especial da liderança da Igreja Católica para o mundo islâmico. Em 1974, sob o papa Paulo 6°, o Vaticano estabeleceu uma "comissão para as relações religiosas com os muçulmanos", um pequeno grêmio, existente até hoje, incluindo especialistas católicos do Paquistão, da Nigéria, do Reino Unido e da Alemanha, entre outros. É um coincidência, porém apropriada, que seus integrantes tenham se reunido justamente nesta terça-feira em Roma.