Viva a globalização!
16 de abril de 2020Caros brasileiros,
parece que a época da globalização acabou. Fronteiras fechadas, aviões e navios parados e muitas cadeias de produção interrompidas. Não faltam pessoas pregando que o mundo pós-coronavírus não será mais o mesmo, que o Estado nacional ganhará mais importância enquanto a cooperação internacional diminuirá.
Acredito que não vai ser bem assim e, por isso, quero compartilhar com vocês alguns pensamentos do grande historiador e autor israelense Yuval Noah Harari. Num artigo para a revista Time que foi reproduzido pela edição brasileira do El País, ele defendeu a tese, de que "o antídoto contra a epidemia não é a segregação, e sim a cooperação".
Não é mera coincidência que essa tese seja debatida justamente no momento em que o presidente americano, Donald Trump, acusa a Organização Mundial de Saúde (OMS) de ter agido em função dos interesses do regime chinês e de ter respondido tarde demais e mal à ameaça representada pelo novo coronavírus.
Na terça-feira, Trump anunciou o congelamento dos recursos dos EUA para a OMS. Segundo dados reunidos pela agência de notícias AP, a contribuição americana de 900 milhões de dólares representa um quinto do orçamento da agência da ONU de 2018-2019, que gira em torno de 4,4 bilhões de dólares.
Pois é. Foi justamente a Organização Mundial de Saúde que conseguiu derrotar o vírus da varíola com uma campanha mundial de vacinação na década de 1970. Enquanto em 1967, 15 milhões de pessoas foram contagiadas pela doença, das quais 2 milhões morreram, em 1979, a OMS declarou que a humanidade tinha erradicado a doença.
Dessa vitória pode-se tirar várias lições. Uma conclusão fundamental para Harari é que é impossível vencer uma pandemia sem cooperação internacional. Pois a erradicação da varíola foi possível porque todos países participaram da campanha de vacinação.
"Se um só país não tivesse vacinado a sua população, poderia ter posto em perigo a toda a humanidade", diz Harari. "Porque, enquanto o vírus da varíola existisse e evoluísse em algum lugar, sempre poderia se propagar por todo lado."
Outra lição é que a velocidade das descobertas científicas vem crescendo junto com a cooperação internacional. Enquanto na Idade Média nunca se descobriu o que causava a peste negra, os cientistas atuais não levaram mais de duas semanas para identificar o coronavírus, sequenciar seu genoma e desenvolver um exame confiável para identificar pessoas infectadas.
Em terceiro lugar, a globalização não serve como bode expiratório. Pois epidemias já matavam milhões de pessoas bem antes da integração econômica global. A peste negra se propagou do leste da Ásia até a Europa Ocidental no século 14. Naquele tempo, não havia aviões nem grandes navios.
Até na época da colonização havia pragas fora de controle. No México, em março de 1520, bastou um único portador da varíola, Francisco de Eguía, para infectar um continente inteiro. Apesar da ausência de meios de transporte, como trem o ônibus, a epidemia assolou toda a região e matou, segundo algumas estimativas, um terço de sua população.
Concordo com Harari: a globalização, o crescimento da população mundial e a facilidade de viajar, tudo isso cria condições favoráveis para pandemias. No mundo atual, um vírus pode viajar de Paris a Tóquio e ao México em menos de 24 horas. Sendo assim, existe o perigo de enfrentar uma praga mortal depois da outra.
Mesmo que o coronavírus sugira o contrário, isso não acontece. Harari chama atenção para o fato de que "tanto a incidência como as repercussões das epidemias diminuíram de forma espetacular". "Apesar de surtos horríveis, como o de aids e o de ebola, as epidemias matam muito menos gente que em qualquer outra etapa da história", observou.
A conclusão do historiador é: "A melhor defesa dos seres humanos frente a epidemias não é o isolamento, e sim a informação. A história indica que a autêntica proteção se obtém com o intercâmbio de informações científicas confiáveis e a solidariedade mundial."
É o sonho da globalização da solidariedade. O sonho que faz a humanidade andar. O sonho que, infelizmente, alguns governos atuais abandonaram, pois resolveram colocar os interesses do próprio país "acima de tudo". Se deram mal.
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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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