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"Você tem que lutar para contar o que fizeram conosco"

Marina Strauss ca
21 de abril de 2019

Erna de Vries é uma das últimas sobreviventes do Holocausto. Aos 95 anos, é cada vez mais difícil para ela contar sua história, e conta agora com a ajuda de "testemunhas secundárias" para partilhar suas vivências.

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Sobrevivente do Holocausto Erna de Vries em sua casa no norte da Alemanha
Erna de Vries em sua casa no norte da AlemanhaFoto: Samir Saad

Sempre há algo que faz Erna de Vries recordar daquele passado, todos os dias. Como um pedaço de pão caído no chão, por exemplo: ela pensa na fome de então, e acha que ninguém deveria jogar comida fora assim. Ou quando vê uma bétula (em alemão: Birke), pois a árvore de tronco branco lhe traz a memória do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.

Para lá, os nazistas deportaram sua mãe judia em 1943. Ela foi poupada, pois o pai, morto ainda jovem, era protestante, o que fazia dela uma "meio-judia", no jargão nazista. Mas Erna não queria ficar sozinha, e seguiu a mãe até o campo de extermínio, onde até 1945 mais de 1 milhão de detentos seriam assassinados. Entre eles, provavelmente também a mãe dela.

Quando a nonagenária fala dos anos no campo, por vezes parece pensativa, mas geralmente se mostra muito calma, sentada no sofá de casa, de blusa azul e branca, longo colar de pérolas no pescoço, um leve batom nos lábios.

Erna de Vries já contou muitas vezes sua história. Diante de alunos, em sua cidade natal no norte da Alemanha, na universidade de uma cidade vizinha maior. O estímulo para tal ainda vem das palavras que a mãe lhe disse quando se viram pela última vez: "Erna, você tem que lutar, você tem que sobreviver e contar o que fizeram conosco."

"Dizer adeus à minha mãe foi a coisa mais difícil do meu tempo no campo de concentração", relembra Erna de Vries. "Eu tinha toda certeza de que ela não ia sair viva de Auschwitz."

Aos 95 anos, é cada vez mais difícil contar sua história em público. Ela não vê muito bem; só escuta quando se fala bem alto e articulado perto de seu ouvido; para fazer pequenos passeios, precisa do auxílio do que chama de "o Rolls-Royce entre os andadores".

Por isso ela está contente de haver alguém que transporte suas memórias. Essa pessoa é Vanessa Eisenhardt. A médica de 29 anos se considera uma "testemunha secundária", como membro da associação Heimatsucher, que se encontra com sobreviventes do Holocausto, coleta e conta suas histórias.

Nesse dia ensolarado de primavera, ela trouxe uma pilha de cartas de alunos. Na véspera, havia contado a história da sobrevivente do Holocausto numa escola de ensino médio de Bayreuth, no sul da Alemanha, e depois pediu aos estudantes que escrevessem seus pensamentos sobre ela.

Eisenhardt e outras "testemunhas secundárias" viajam pela Alemanha, mais ou menos a cada duas semanas, para contar nas escolas sobre Erna de Vries e outros sobreviventes do Holocausto.

Sua associação conversou com cerca de 30 testemunhas em Israel, Alemanha e outros países europeus, mantendo com elas um relacionamento bastante próximo ao longo dos anos. Algumas ainda estão vivas, muitas morreram neste ínterim.

Em Bayreuth, Eisenhardt relata não apenas sobre o que De Vries vivenciou durante o período nazista, mas também sobre o antes e o depois: sobre o desejo dela de se tornar médica, sobre seu trabalho como enfermeira, o marido que conheceu depois da guerra, seus três filhos, seis netos e seu grande desejo, nunca realizado, de emigrar para Israel.

Sobrevivente do Holocausto Erna de Vries de cadeira de rodas
Sobrevivente de 95 anos diz estar agradecida pela vida depois da guerraFoto: DW/M. Strauß

De cabelo castanho e óculos prateados, Eisenhardt explica que a parte pessoal é muitas vezes ignorada nas aulas de história. "Grandes números, grandes imagens, 6 milhões de seres humanos assassinados": às vezes é difícil de entender, admite.

Com histórias como a de Erna de Vries, ela diz querer mostrar aos alunos como os nazistas na Alemanha puderam cercear, destruir uma vida. E como o passado influencia os dias de hoje. "Essas histórias mostram o que acontece quando se dá espaço ao racismo e ao antissemitismo, admitindo sua existência até o ponto em que não há mais volta."

Em Bayreuth, os estudantes ficaram particularmente impressionados com o pedido da mãe de Erna para lutar e relatar o que havia acontecido com ela e outros judeus. "Por pouco eu não chorei", revela Ambra Rizzo, de 14 anos. "Achei sensacional a vontade dela de sobreviver e contar sua história."

Sanya Schuberth, de 15 anos, contou ter se emocionado com o fato de a mãe não ter simplesmente dito "Tchau, te amo, não vou te ver nunca mais", mas sim pedido a Erna para lutar e seguir em frente.

A colegial adverte: "Acho que é preciso abrir os olhos de algumas pessoas, para quem não é possível que algo assim volte a acontecer." Ela, Ambra e outros estudantes devem agora levar à frente a história de Erna de Vries, como "testemunhas secundárias".

De volta à casa de Erna de Vries no norte da Alemanha, Vanessa Eisenhardt lê a carta de Sanya Schuberth: "Querida Erna, tenho certeza que você é uma mulher fantástica e valente. Não posso parar de repetir: tenho muito respeito por você."

Erna de Vries sorri e conta que atualmente tem em casa uma caixa cheia de cartas de alunos. É claro que fica contente por eles aceitarem que lhes contem sua história: "Em muitos casos, as pessoas não têm o menor interesse."

Com seu "Rolls-Royce entre os andadores", sai da sala para o terraço sob sua árvore de magnólia em flor. Dois dias atrás, as flores eram ainda mais bonitas, "elas murcharam aos poucos".

De Vries é grata por ter uma vida boa depois da guerra, com filhos e netos saudáveis. Ela e o marido sempre sentiram uma certa satisfação por os nazistas não terem conseguido matar todos eles. Agora ela conta com gente como Vanessa Eisenhardt para seguir narrando sua história, "para que, de alguma forma, fique na memória e não seja completamente esquecida".

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