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Desaparecimento deixa lições ao setor aéreo

Gabriel Domínguez (rm)25 de agosto de 2014

Mais de cinco meses depois de ter desaparecido, ainda não há sinal do avião da Malaysia Airlines. Indústria está comprometida a evitar que incidente se repita, mas mudanças de regulamentações e sistemas devem demorar.

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Foto: Reuters

O destino do voo MH370 é um mistério desde que o Boeing 777 da Malaysia Airlines deixou Kuala Lumpur com destino a Pequim, 239 pessoas a bordo, nas primeiras horas da manhã de 8 de março.

Embora dados registrados por satélites indiquem que a aeronave caiu no sul do Oceano Índico, os esforços internacionais de busca ainda não conseguiram apresentar provas concretas que expliquem o que aconteceu.

Por conta disso, investigadores decidiram reajustar a busca pela aeronave mais ao sul, ao longo de um arco estreito identificado como a localização mais provável do avião. O primeiro-ministro da Austrália, Tony Abbott, disse que a procura pelo voo MH370 seria retomada na costa ocidental de seu país em setembro.

Sem destroços identificados, tem sido difícil estabelecer fatos, prolongando assim a dolorosa espera dos parentes e amigos dos que estavam a bordo do avião.

O desaparecimento da aeronave, porém, também levantou questões sobre o preparo da indústria da aviação em prevenir que incidentes semelhantes voltem a acontecer –especialmente tendo em mente de que esta não é a primeira vez que um avião desaparece sem deixar rastros.

O que sabe até agora é que o voo MH370 deixou Kuala Lumpur sem sinais de problemas e, 26 minutos depois da decolagem, enquanto sobrevoava o Mar do Sul da China, teve seu sistema Acars – responsável por enviar informações cruciais sobre a condição do Boeing 777 – desligado por motivos ainda desconhecidos.

Desaparecimento

A aeronave saiu das telas de controle de tráfego aéreo depois de seu transponder, que transmite informações automáticas sobre a localização do avião e sua altitude, ter sido desligado com menos de uma hora de voo.

Radares militares conseguiram localizar o avião 45 minutos depois e, desde então, as únicas indicações de onde a aeronave poderia estar vieram de uma análise de uma série de sinais eletrônicos entre o Boeing e um satélite.

Straße von Malakka im Fokus von Piraten
Esforços de busca ainda não conseguiram apresentar provas concretas que expliquem o que aconteceu com o MH370Foto: Atar/AFP/GettyImages

Mas como é possível um avião de passageiros simplesmente desaparecer no ar em uma era na qual a informação está apenas a alguns cliques de distância? De acordo com o especialista em aviação Chris Yates, uma explicação é que a indústria do setor não está bem equipada em termos de localização de aeronaves.

"A realidade é que a indústria está, há tempos, atrasada", diz o analista britânico. Segundo ele, embora haja novas tecnologias sendo desenvolvidas constantemente, o tempo necessário para aplicar esses novos conceitos na prática pode ser de anos ou até décadas. "O marco regulatório para aviões é extremamente rigoroso porque uma decisão mal feita pode levar à perda de uma aeronave em voo e, como resultado, à perda de muitas vidas."

Outra razão para isso é a questão do custo. Segundo Yates, as companhias aéreas não gostam de recomendações ou requisitos de segurança que os obriguem a substituir sistemas ou partes de aeronaves a altos custos, e muitas vezes lutam para evitar fazê-lo.

Força-tarefa de monitoramento

A indústria, porém, diz estar determinada a resolver o problema. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), que representa cerca de 240 empresas, afirmou à DW que o setor de aviação está comprometido em garantir que episódios assim deixem de acontecer.

Para isso, o diretor-geral da Iata, Tony Tyler, anunciou em abril que uma iniciativa especial, a Força-Tarefa de Localização de Aeronave (ATTF), seria formada para recomendar opções de curto prazo para solucionar o problema.

O objetivo da equipe é definir um conjunto mínimo de requisitos de desempenho que deve ser cumprido por todos os sistemas, permitindo assim que as companhias aéreas tomem suas próprias decisões de como melhor localizar suas aeronaves, tendo como base suas operações.

As medidas iniciais da ATTF devem ser apresentadas, em setembro, à Organização de Aviação Civil Internacional (Icao) das Nações Unidas. De acordo com Yates, elas incluem uma série de medidas de curto, médio e longo prazo direcionadas a garantir que a informação seja fornecida em tempo hábil às pessoas certas com o objetivo de apoiar buscas, resgates, atividades de recuperação e investigação de acidentes.

Equipamento

Segundo o especialista independente Heinrich Grossbongardt, autoridades do setor na Europa e nos EUA estão trabalhando em novas regulamentações para os dispositivos de localização do gravador de dados do voo e do gravador de voz da cabine, conhecidos popularmente como "caixa-preta".

"Isso compreenderia uma vida útil de bateria significativamente mais longa e uma melhora no sinal acústico para facilitar a localização das caixas debaixo d'água", afirma Grossbongardt.

A Agência Europeia de Segurança da Aviação (Easa) disse à DW que as novas exigências incluem a ampliação do tempo de transmissão de dispositivos de localização subaquática (ULD), que serão montados diretamente na parte central da aeronave de 30 a 90 dias.

O órgão também disse que se propõe a equipar grandes aviões que sobrevoem oceanos com um novo tipo de ULD com alcance maior aos já instalados em gravadores de voo.

Alternativamente, a aeronave pode estar equipada com um dispositivo capaz de determinar a localização de um acidente com uma precisão de até seis milhas náuticas. Além disso, o tempo mínimo na gravação de voz dos gravadores instalados em cockpits seria ampliado de duas para 20 horas, segundo a agência, que tem sua base em Colônia.

Há também discussões em curso sobre como melhorar o transmissor para localização de emergência, um dispositivo que envia automaticamente um sinal de socorro, recebido por satélite, em caso de acidente.

Segundo Grossbongardt, as melhorias nas caixas-pretas, com baterias mais longas e vibrações mais fortes, podem demorar quatro ou cinco anos para serem implementadas em toda a frota mundial de jatos de longa distância.

Oceanos e áreas remotas

A Inmarsat, empresa britânica de satélites que conseguiu determinar a rota aproximada do voo MH370 depois de seu desaparecimento, disse que a perda do avião reforça a necessidade de todas as aeronaves serem monitoradas, especialmente quando sobrevoam oceanos e áreas remotas fora do alcance de sistemas de radares baseados em terra.

Symbolbild Radarschirm Flufhafen
Perda do MH 370 reforça a necessidade de monitoramento de aeronaves, especialmente em áreas remotasFoto: Getty Images

"Hoje, o monitoramento constante de aeronaves por sistemas de comunicação por satélite só é obrigatório em algumas regiões do mundo. E nós acreditamos que deveria ser ampliado imediatamente para todas as rotas remotas e oceânicas", diz Jonathan Sinnatt, diretor de comunicação corporativa da empresa.

A tecnologia para monitoramento de aeronaves em tempo real já está disponível a bordo dos mais modernos aviões de passageiros. A ADS-C permite uma comunicação bidirecional e está disponível via satélite, proporcionando conectividade sobre terra e oceanos.

A ADS-B transmite a posição de uma aeronave, mas atualmente só está disponível no alcance de uma estação terrestre. Entretanto, como indicado por Grossbongardt, até recentemente essas tecnologias eram vistas apenas como uma maneira de melhorar a eficiência das operações de voo, e não como um meio importante de segurança.

"Algumas companhias aéreas usaram, outra não. Essa posição mudou desde o MH370", afirma Grossbongardt, que também é diretor da Expairtise, uma agência de comunicação especializada em aviação e espaço aéreo.

A Inmarsat também indicou outras opções, como o serviço de caixa-preta na nuvem, que transmitiria os dados de uma aeronave para o solo no caso de um evento crítico durante um voo.

"Enquanto a busca pela caixa-preta continua sendo vital no caso de uma catástrofe, ter dados importantes imediatamente certamente ajudariam tanto a entender o que aconteceu como também fornecer respostas para famílias que possam ter perdido entes queridos", diz Sinnat.

Transmissão de dados

Jörg Handwerg, porta-voz da associação alemã de pilotos "Vereinigung Cockpit", acredita que, apesar das melhorias, ainda será praticamente impossível evitar que aviões percam a comunicação em qualquer circunstância – especialmente se problemas nos sistemas elétricos forem registrados.

Handwerg e sua associação também rejeitam a ideia de criar um sistema que transmita em tempo real todos os dados de um voo, já que "muitas questões sobre o tema permanecem sem resposta".

Algumas dessas questões envolvem o propósito dos dados e onde eles seriam armazenados; as pessoas que teriam acesso a essas informações; e as medidas em vigor para proteger funcionários de uma possível manipulação ou uso indevido dos dados.

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Transmissão constante de dados em tempo real para o solo inundaria os canais de banda larga disponíveisFoto: picture alliance/blickwinkel

"Seria um controle completo do que os pilotos fazem, o que não estaria em conformidade com princípios básicos de leis trabalhistas em muitos países", disse Handwerg. Segundo ele, esses sistemas não impediriam a ocorrência de acidentes, mas contribuiriam para o aumento no preço das passagens.

Yates também alerta que, antes de uma transmissão em tempo real dos dados ser possível, é preciso lidar com a questão de capacidade de armazenamento: "Uma quantidade significativa de dados é capturada e armazenada nas caixas pretas dos aviões e todos sabem que uma transmissão constante em tempo real para o solo inundaria os canais de banda larga disponíveis."

Ponto cego

A tragédia do voo MH370 mostrou que a capacidade da indústria aérea de monitorar e localizar aeronaves é limitada e deveria ser melhorada de maneira considerável.

O setor está começando apenas agora a lidar com o problema, mas, como Yates enfatiza, os benefícios de implementar medidas eficazes para melhorar o monitoramento são claros:

"Isso vai aumentar a capacidade de definir a localização de um avião que caiu com um grau muito maior de precisão, melhorando assim significativamente a busca por possíveis sobreviventes."

Segundo Grossbongardt, isso também ajudaria a reforçar a confiança dos passageiros no setor. "Todo mundo sabe que a confiança do público na segurança do sistema de transporte aéreo global é a base da indústria da aviação."

Symbolbild Flugzeug Suche
Para Yates, monitoramento pode aumentar capacidade de definir localização de avião que caiuFoto: Reuters

Atualmente, o tráfego aéreo tem altos níveis de segurança porque a indústria aprendeu com cada acidente e usou a informação recolhida para melhorar a tecnologia, as operações e os regulamentos de voo.

Todos os dias, cerca de 100 mil voos decolam e aterrissam sem incidentes. Em 2013, mais de três bilhões de pessoas voaram e 210 fatalidades foram registradas, segundo a Iata.

No entanto, sempre haverá certo grau de incerteza. "Nosso sistema hoje é bem sólido, o que já é muito bom, mas como em todas as outras esferas da vida, não é perfeito e nunca será, independentemente da tecnologia que usarmos", diz Handwerg.