Entrevista
28 de novembro de 2008A cubana Yoani Sánchez não pôde participar da cerimônia de entrega do prêmio do The BOBs, que aconteceu em Berlim. Além de ter seu blog escolhido pelo júri como o Melhor Weblog, o Generación Y recebeu também o Prêmio Especial Repórteres Sem Fronteiras. Diretamente de Cuba, Yoani Sánchez falou com DW-WORLD.DE:
DW-WORLD.DE: Como surgiu a idéia de criar o Generación Y?
Yoani Sánchez: Tive a idéia a partir do acúmulo de várias histórias cotidianas, de questões e frustrações que não via refletidas nem na imprensa nem na televisão. Então decidi criar um blog e contar tudo o que se passa com os cubanos e que não é mencionado pelos meios oficiais.
Desta forma, o Generación Y se converteu num exorcismo pessoal para liberar alguns demônios: o demônio da apatia, o do medo, o da inércia. Essa terapia pessoal que é meu blog já dura um ano e meio. E encontrei na internet muitas outras pessoas com demônios similares aos meus.
O que você sente ao saber que o que você escreve está sendo lido por milhares de pessoas em todo o mundo?
Essa é uma das grandes surpresas que nos deu a modernidade. Há alguns anos, acontecia muita coisa em Cuba e ninguém sabia disso: agora abriu-se uma janela e através dela podemos sair da ilha e comentar com todo mundo o que acontece conosco. Isso dá muito poder ao cidadão.
É uma maneira de nos expressar, de transitar em liberdade, ao menos no ciberespaço, uma maneira de exercitar a liberdade de expressão que algum dia teremos que pôr em prática. Saber que milhares de pessoas lêem o que escrevo não só me dá uma grande alegria como me faz sentir protegida para continuar escrevendo.
Que influência exercem os blogs cubanos, dentro e fora da ilha, sobre a situação política do país?
A blogosfera cubana está exercendo e continuará exercendo um papel muito importante na democratização de Cuba: tudo graças a esses terrenos de liberdade, que pouco a pouco vamos arrancando dos censores.
Fora da ilha, os blogueiros cubanos são muito unidos. Dentro, lamentavelmente somos muito poucos, só uma dezena de blogueiros alternativos e independentes, mas creio que iremos exercer um papel muuito relevante no futuro de Cuba, pois temos a ótica do cidadão, do indivíduo. Numa sociedade como a nossa, em que tudo o que se faz é pensando nas massas, no bloco, a voz de um indivíduo e sua visão subjetiva da realidade ajudam a derrubar muros e a destruir muitos mitos.
Lendo seu blog nota-se que a independência é muito importante para você. Os blogueiros cubanos se libertaram das correntes políticas que lutam para decidir o destino do país?
Somos uma geração mais jovem, que domina a tecnologia. E, de alguma forma, não nos sentimos nem vítimas nem carrascos, mas parte do que ocorreu e também responsáveis. Nossa linguagem é menos marcada por termos políticos, sem se definir como de direita ou esquerda nem contra algo, sendo simplesmente um grito de pessoas jovens, querendo existir, querendo expressar seus sentimentos e suas questões sobre a realidade.
Creio que a blogosfera cubana seja essencialmente "cidadã". O que acontece é que em Cuba ser cidadão é fazer política. Muitas pessoas me perguntam se faço oposição, se sou dissidente, e eu digo que não, que em Cuba é a realidade que é profundamente contestadora. E só escrevo sobre a realidade.
Que problema você encontra ao escrever seu blog?
Os cubanos não podem ter uma conexão com a internet em casa, pelo menos os cubanos normais não podem. Só altos funcionários e estrangeiros residentes no país podem contratar um acesso doméstico à internet. O resto da população tem que se conformar com os hotéis, onde o preço é muito alto e a conexão muito lenta. Ou apelar para as universidades e locais de trabalho, onde o acesso à internet é muito controlado. Há muitas páginas bloqueadas e censuradas.
Para mim, manter vivo o Generación Y tem sido um verdadeiro desafio, pois tenho que escrever e trabalhar meus textos na maioria das vezes offline, sair com meu pen drive e ver onde encontro um lugar para me conectar. No mais, desde a última semana de março, as autoridades cubanas estão bloqueando meu blog no interior do país: sou uma blogueira às cegas. Só graças à solidariedade de muita gente, à ajuda de um monte de amigos fora de Cuba, é que o Generación Y continua vivo.
As críticas à atual situação de Cuba são escritas a partir de um ponto de vista muito pessoal e num tom distante de qualquer ideologia. Por que o governo considera seu blog tão perigoso?
O que há de mais perigoso no meu blog para o governo cubano é a possibilidade de contágio, a possibilidade de que outros, ao ver o que faço, criem seus próprios blogs e comecem a dizer o que pensam. Sou uma pessoa que não apela para a violência verbal: escrevo, talvez, com muito ceticismo, com muito desencanto, mas sem atacar ninguém, sem difamar.
Este não é o primeiro prêmio que você recebe. E, mais uma vez, o governo cubano não permite que você saia do país para receber a premiação. Você teve em algum momento vontade de abandonar o blog?
Muitas vezes tive vontade de deixar o blog. Os custos pessoal, político e cívico são muito altos para um só indivíduo. Mas o consolo que me dão os milhares de pessoas que lêem o que escrevo, os milhares de comentários que recebo em cada postagem, inclusive as pessoas que me atacam, todos me incentivam a continuar.
E os prêmios que me concederam a proteção internacional. Mas, acima de tudo, continuo porque tenho muitas coisas para contar, porque a terapia que comecei naquele abril de 2007 não chegou ao fim. Ainda não me curei de tudo, não expulsei todos os meus demônios.
Que medidas você reivindicaria do governo para melhorar o acesso à internet e o desenvolvimento da blogosfera em Cuba?
Pediria que deixassem de punir a opinião, não só para ajudar a blogosfera, mas também para que os indivíduos em Cuba possam se expressar livremente. E para que encontremos juntos soluções para os problemas. O que acontece com a blogosfera cubana – o bloqueio de sites, a censura, a impossibilidade de que eu saia do país – é apenas um sinal de quanto estamos longe de ser tolerantes em relação à opinião dos outros.