Zeitgeist: A arraigada tradição nuclear da França
27 de julho de 2017Ao longo de anos, alemães e franceses mantiveram uma incompreensão mútua sobre a posição do vizinho em relação à energia nuclear. Enquanto na Alemanha o movimento antinuclear mobilizava a sociedade a ponto de gerar um partido político, na França prevalecia o orgulho da própria tecnologia energética.
Orgulho que se reflete em números: a França tem 58 reatores nucleares em 19 usinas, mais do que qualquer outro país na Europa. A cada 200 quilômetros existe uma usina nuclear, e elas respondem por 75% da energia produzida no país.
Mas o que é orgulho na França vira apreensão quando se cruza a fronteira. Enquanto vão desligando suas próprias unidades, os alemães olham preocupados para os vizinhos.
E não sem motivos, pois o parque nuclear francês está ficando velho. Daqui a dez anos, três em cada quatro unidades terão alcançado os 40 anos de existência.
Símbolo dos temores alemães é a usina nuclear de Fessenheim, na Alsácia. Ela é a mais antiga e ineficiente das usinas do país e fica a apenas um quilômetros da fronteira com a Alemanha. Ela deverá ser fechada – mas só se uma nova for construída em Flamanville, na Normandia.
Estudos mostram que renovar o parque nuclear francês custará muito mais caro do que simplesmente desligá-lo. Mas eliminá-lo significaria que o país teria que obter energia de outras fontes, o que não é assim tão simples.
Diante disso, o governo do ex-presidente François Hollande causou certa surpresa ao decidir reduzir a dependência do país da energia nuclear. Até 2025, ela deverá passar de 75% para 50%, diz a meta, que até agora não saiu do papel.
O governo do atual presidente, Emmanuel Macron, manteve o ambicioso plano. O novo ministro do Meio Ambiente, Nicolas Hulot, já anunciou o fechamento de até 17 reatores até 2025. Ele enfrenta a resistência do poderoso lobby atômico francês, que argumenta que a decisão custará 10 mil empregos.
São planos bem diferentes dos da Alemanha, que quer fechar o que ainda resta de suas usinas nucleares até 2022. Na época da decisão, em 2011, o governo conservador-liberal da chanceler federal Angela Merkel – que havia acabado de decidir estender o funcionamento das usinas – estava sob pressão devido ao acidente em Fukushima.
Já na França, a tragédia japonesa pouco impressionou a população, que parece imune ao temor de que um dia algo semelhante possa acontecer numa usina do país. Mas Fukushima teve efeitos sobre a indústria nuclear francesa, que desde então viu a demanda externa pela sua tecnologia cair, o que se refletiu nas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa Areva.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.