Zeitgeist: O Ceta e a dificuldade da UE de agir
24 de outubro de 2016Uma pequena região, a Valônia, com 3,6 milhões de habitantes, impede toda a União Europeia (UE), com 550 milhões de habitantes, de fechar um acordo de livre-comércio com o Canadá, conhecido como Ceta. Uma situação que soa estranha para os brasileiros, mas que é realidade na Europa.
A explicação é simples: muitas decisões da União Europeia são tomadas por unanimidade. Se um país-membro não concorda com algo, pode exercer seu poder de veto. Como são 28 países-membros, é fácil imaginar que tomar decisões dentro da União Europeia é uma tarefa árdua. Muitos criticam essa situação e afirmam que a UE frequentemente fica "engessada".
É o que acontece no caso do Ceta. A Valônia, uma região da Bélgica, é contra o acordo da forma como ele é hoje. Como o primeiro-ministro belga, por causa da legislação do país, altamente federalizado, também necessita de consenso entre suas regiões para assinar o acordo, o impasse está criado.
Há várias instâncias decisórias dentro da União Europeia. Os projetos de lei são propostos pela Comissão Europeia, que se orienta pelas linhas políticas gerais definidas pelo Conselho Europeu.
No Conselho Europeu estão representados os governos de todos os países-membros, por meio dos chefes de Estado e de governo. Ele se reúne nas chamadas cúpulas da UE e busca tomar suas decisões por consenso.
O projeto de lei proposto pela Comissão Europeia necessita ser aprovado pelo Parlamento Europeu (onde estão os eurodeputados, eleitos pelo voto direto dos cidadãos europeus), em comum-acordo com o Conselho da União Europeia (onde estão representados os países-membros, por meio de ministros da área do projeto de lei em questão).
Um projeto vai e volta entre Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia até um acordo ser alcançado, mas a votação em cada órgão acontece no máximo três vezes. Se não há acordo entre os dois, o projeto é posto de lado.
Apesar de terem um nome parecido, Conselho Europeu e Conselho da União Europeia não são o mesmo órgão. O primeiro é a reunião de chefes de Estado e governo. O segundo, de ministros competentes da área que está sendo analisada.
Se for um acordo misto, como é o Ceta, além de passar por todas as instâncias decisórias da União Europeia, ele precisa ainda ter o aval individual extra de cada um dos países-membros, o que significa que os parlamentos nacionais também têm uma voz.
Como o Ceta é um acordo da área de comércio exterior, ele – ao menos em tese – não precisaria da aprovação individual dos países-membros, pois essa área é de competência da União Europeia – ou seja, os órgãos europeus podem decidir sozinhos. No jargão europeu, esses acordos são conhecidos como "EU-only".
Porém, alguns países – entre eles a Alemanha – exigiram que os governos e parlamentos nacionais também tivessem uma palavra final sobre o acordo, que aí virou misto, dando origem ao atual impasse.
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