Último adeus a García Márquez na Cidade do México
22 de abril de 2014Milhares de admiradores prestaram homenagem póstuma ao escritor colombiano Gabriel García Márquez, nesta segunda-feira (21/04), no Palácio de Belas Artes da Cidade do México. A cerimônia contou com a presença de altas personalidades da cultura e política, incluindo os presidentes mexicano, Enrique Peña Nieto, e colombiano, Juan Manuel Santos.
O corpo do literato, morto em 17 de abril, fora incinerado na véspera, em cerimônia privada. O Palácio de Belas Artes, no centro histórico da capital, é o local onde foram veladas personalidades importantes da cultura mexicana, como a pintora Frida Kahlo, em 1954, e o autor Carlos Fuentes, amigo de"Gabo", em 2012.
A esposa do escritor, Mercedes Barcha, e seus filhos Gonzalo e Rodrigo ainda não decidiram se as cinzas do autor permanecerão no México ou se serão trasladadas para a Colômbia – como seria desejo do presidente Santos, entre outros colombianos.
Morte em família
Gabriel García Márquez morreu aos 87 anos de idade na Cidade do México, onde vivia desde 1961. Ele estivera oito dias internado no Instituto Nacional de Ciências Médicas e Nutrição Salvador Zubirán, para tratamento de infecção pulmonar e das vias urinárias.
Segundo notícia não confirmada da mídia mexicana, teria retornado um câncer linfático que o acometeu 15 anos atrás. Diante da reserva da família, Genovevo Quiroz, que foi chofer do autor durante muitos anos, se converteu na fonte extraoficial mais confiável a respeito do estado do escritor durante seus últimos dias de vida.
Considerado um dos escritores que marcaram a literatura universal do século 20, e comparado em importância com o poeta e dramaturgo espanhol Miguel de Cervantes, autor de Don Quixote, García Márquez trabalhava no segundo tomo de suas memórias, Viver para contar.
Realidade no "realismo mágico"
Assim como a de Úrsula Iguarán, a morte de García Márquez ocorreu numa Quinta-Feira Santa. A personagem, inspirada em sua própria avó, é a matriarca de Macondo, cenário do romance Cem anos de solidão, que catapultou a fama do colombiano para o resto do mundo e lançou uma onda de interesse pela produção literária latino-americana.
A hispanista Michi Strausfeld escreveu sobre essa obra-chave da literatura sua tese de doutorado, como primeiro trabalho acadêmico publicado na Alemanha sobre o escritor. Ela recorda vivamente os encontros que teve com García Márquez entre 1972 e 1974, quando ele vivia em Barcelona, Espanha.
Na época, era muito tímido e se recusava a falar sobre sua obra. "Ele sempre me falava de política e me deu uma espécie de curso particular sobre a situação política latino-americana. Sua preocupação era que eu entendesse a parte real por trás de seu romance."
"Tudo estava fundamentado na realidade da Colômbia, muitos fatos descritos eram reais, como a matança dos trabalhadores nas plantações das empresas bananeiras. Isso sucedeu na aldeia de Aracataca, onde ele cresceu – ou seja, em Macondo. Ele queria enfatizar que seu romance não era pura fantasia", recorda a hispanista alemã.
Ela afirma que, na Alemanha, o prêmio Nobel da Literatura de 1982 é o escritor da América Latina mais famoso, superando até o grande argentino Jorge Luis Borges. "Gabriel García Márquez tem um público de milhões na Alemanha. Entre os dez romances que escreveu, cinco são famosíssimos e muito lidos."
Strausfeld ressalta que, embora neste momento os jovens escritores da região "não queiram saber nada do 'boom latino-americano' nem do 'realismo mágico'", o fato de o povo alemão ter se interessado pela América Latina "é um mérito de Gabo".
Pêsames de todo o mundo
Um dia após a morte de Gabriel García Márquez, uma multidão se congregara diante da casa onde o escritor colombiano viveu, na Cidade do México.
A fachada do número 144 da Calle de Fuego, no bairro residencial Jardines del Pedregal, reluzia com oferendas florais. Compatriotas do autor rodeavam a casa, portando bandeiras tricolores, a fim de prestar-lhe a última homenagem. Diante da afluência de repórteres e curiosos, um cordão policial isolou a rua.
Ao longo do dia, a residência de "Gabo" se encheu de amigos e admiradores, que vinham prestar seus pêsames à família. Diplomatas espanhóis levaram pessoalmente as condolências dos reis da Espanha e dos príncipes de Astúrias.
Um buquê de margaridas e rosas brancas, enviado pela cantora colombiana Shakira, chegou acompanhado de um cartão contendo uma mensagem singela: "Meus mais sentidos pêsames".
Empenho pelo cinema latino-americano
O cineasta mexicano Felipe Cazals recordou o importante papel de García Márquez na criação cinematográfica latino-americana. Ele foi um dos fundadores da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba, onde ministrou cursos e oficinas.
"Gabo sempre esteve muito preocupado em criar um centro acadêmico para jovens cineastas latino-americanos. E essa preocupação se tornou realidade com a escola que há em Cuba, de onde saem muitos cineastas jovens, muito bem preparados." O próximo Festival de Cinema de Havana será dedicado a García Márquez.
Cazals comentou que o Nobel de Literatura sempre se interessara pela linguagem cinematográfica e acreditava no potencial dela como elemento unificador da América Latina. No entanto, a obra do colombiano não é facilmente traduzível para a tela.
"Fui leitor e amigo de Gabo e me dou por satisfeito com isso." Para ilustrar que tipo de amigo o autor era, Cazals recorda: "Em nossos 40 anos de amizade, nunca o escutei falar mal de ninguém – e isso é algo notável, neste país."
Grande amigo e homem político
Essa impressão foi confirmada pelo ex-prefeito de Bogotá Jaime Castro, igualmente íntimo de García Márquez e presente à casa da família no dia seguinte ao óbito. "Ele se dava a seus amigos sem limites. Nunca fazia ninguém sentir que ele fosse o homem importante que era."
Destacando a simplicidade e as qualidades humanas do autor de Cem anos de solidão, o político colombiano crê que a melhor homenagem que se pode prestar a ele é conservar o seu legado. "Devemos tirar lições de seus ensinos, que são múltiplas: sobre o poder, sobre a solidão, sobre o amor, sobre a vida mesma."
Castro também recorda que o autor acreditava na possibilidade de uma solução política para o conflito armado na Colômbia. "Ele contribuiu decisivamente para o processo de paz na América Central. E durante a presidência de Belisario Betancourt na Colômbia, Gabo fazia reflexões e enviava suas considerações aos protagonistas armados do conflito nacional, as Farc e o M19, que estavam em negociações com o governo. Para nós, membros do governo, também fazia observações válidas em todos os casos."