Último show dos Beatles completa 50 anos
30 de janeiro de 2019O céu está cinza neste meio-dia de 30 de janeiro de 1969. Faz frio lá fora, e nos rostos dos Beatles, que sobem um atrás do outro ao telhado, vê-se um olhar melancólico. O fim dos "Fab Four" já é sentido – os garotos não têm mais muito o que dizer.
Musicalmente não funciona mais, embora eles tenham lançado seu "Álbum Branco", com sucesso, apenas dois meses atrás. Mas nesse disco – intitulado oficialmente The Beatles (1968) – eles tocaram mais um ao lado do outro do que uns com os outros.
Socialmente as coisas também não vão bem há tempos, especialmente por conta do relacionamento de John Lennon com Yoko Ono, de quem ninguém gosta.
Faz dois anos e meio que eles não sobem num palco: os garotos de Liverpool não aguentam mais os gritos das adolescentes, e, além disso, suas músicas ficaram tão complexas, nos últimos anos, que não podem mais ser tocadas ao vivo.
Paul McCartney, contudo, ainda acredita nos Beatles e levou a banda de volta ao estúdio no início de janeiro de 1969. Uma última tentativa de reacender o espírito original: escrever novas músicas, tocar juntos e improvisar – tudo isso culminou num show ao vivo. Além de um álbum, daria origem também a um documentário, ambos previstos para se chamar Get Back.
Mas logo ficou claro: as sessões de estúdio que antecederam ao show no telhado acabaram sendo uma catástrofe – tanto social quanto musicalmente. Yoko Ono se envolveu demais, e George Harrison preferia trocar com seus novos amigos Eric Clapton e Bob Dylan e raramente aparecia nas sessões do Get Back.
Enquanto isso, a câmera do cineasta Michael Lindsay-Hogg continuou rodando. Ao final ele reuniu 130 horas de filmagens, sendo a maior parte não destinada ao público. Até porque o público não sabia quão ruim as coisas estavam entre os Beatles. Apesar de todas as divergências, a banda ainda queria fazer acontecer este último show.
A última apresentação ao vivo dos Beatles deveria ocorrer, de acordo com os planos iniciais, na famosa casa de eventos Roundhouse, em Londres – ou num anfiteatro romano, ou num cruzeiro, ou no Saara. Mas eles não queriam ter muito trabalho. Preferiram pegar seus instrumentos e levá-los para o telhado de sua gravadora, a Apple Studios, em Londres.
"Acima de nós, apenas o céu"
Neste 30 de janeiro, fazem sete graus lá fora e corre um vento bem desagradável. Os sensíveis microfones de estúdio devem estar bem protegidos, mas não há corta-ventos suficientes disponíveis. O engenheiro de som Alan Parsons corre rapidamente para uma lavanderia ao lado e compra um par de meias-calças, que, enfiadas nos microfones, dão conta de protegê-los.
Enquanto isso, os músicos aguardam no vestíbulo do prédio, quase perdendo a coragem. Ringo Starr parece não estar mais a fim. Então John diz: "Ah, merda, vamos fazer agora!"
De barba cheia, terno e gravata, Paul chega ao terraço. Os outros o seguem: Ringo, George Harrison e, por fim, John, vestindo um casaco de pele que ganhou de Yoko. Ali estão eles, em meio à brisa gelada, no telhado de um edifício de cinco andares. O único ponto colorido é o casaco de chuva laranja brilhante de Ringo. Paul diria depois: "Acima de nós, apenas o céu. Foi bonito."
Quase ninguém sabia sobre o show, mas, assim que as primeiras notas de Get back emanam do telhado, pedestres e pessoas que estão nos prédios dos arredores logo tomam conhecimento. A multidão começa a crescer, e alguns sobem nos telhados vizinhos.
Mas não são todos lá embaixo que se impressionam com o fato de a banda mais famosa do mundo estar fazendo um show de graça no meio de Londres. "Horrível, quero que parem imediatamente", afirma um empresário. Um pedestre mais idoso diz não entender o sentido de tudo isso.
A maioria, contudo, está empolgada – principalmente as mulheres mais jovens. "Fantástico", exclamam. Outro se diz feliz por algo assim estar acontecendo "neste país em tempos como este".
Festa acaba em polícia
Depois de um tempo, os garotos já estão levemente menos frios. John até sorri para Paul algumas vezes, embora seus dedos quase congelem. Ao lado deles está a estrela do soul Billy Preston, tocando seu piano Fender Rhodes. Cinco câmeras gravam o show lá em cima, e algumas outras estão posicionadas no telhado do prédio da frente e nas ruas.
Mais e mais pessoas se aglomeram para assistir aos Beatles, e era exatamente isso que eles queriam: parar o trânsito. A algumas quadras dali há uma delegacia de polícia, e cada vez mais agentes chegam ao local a bordo de suas viaturas.
Eles podiam parar a apresentação, mas deixam o espetáculo continuar. Somente após muitas reclamações de vizinhos sobre o barulho e de um trânsito cada vez mais caótico é que os policiais invadem o prédio e sobem ao telhado onde está a banda.
Eles estão tocando uma outra versão de Get back nesse momento. O roadie Mal Evans é instruído a desligar imediatamente os amplificadores de George e John. Ele obedece. Mas George se vira e liga o aparelho novamente. John faz o mesmo. Querem terminar a canção.
Eles são então avisados de que, se insistirem, podem ser presos. "Seria um ótimo final para o nosso filme", afirma Paul. "Deixem eles fazerem isso! Incrível! 'Beatles são presos em show no telhado'!" Ringo também achou que seria legal ser tirado à força da bateria pelos policiais: "Tudo estava sendo filmado. Teria sido incrível, com os pratos sendo jogados no chão e tudo mais."
A polícia, no entanto, concedeu aos garotos uma última canção, e eles puderam tocá-la até o fim. A música acabaria sendo a última apresentada ao vivo pela banda. Quarenta e dois minutos após ter começado, o show mais famoso da história da música pop chegou ao fim.
Os Beatles acabaram conseguindo terminar seu filme, que, por fim, recebeu o nome de Let it be. A obra foi lançada em maio de 1970 e, no ano seguinte, ganhou o Oscar de Melhor Música Original.
Dos 42 minutos de concerto, cerca de metade pode ser vista no filme. Algumas músicas foram tocadas mais de uma vez durante a apresentação, mas apenas Get back aparece duas vezes no documentário.
Após o acorde final, John Lennon se despede da multidão do mesmo jeito que fazia nos primórdios dos Beatles: "Gostaria de agradecer a vocês em nome da banda e de nós mesmos, e espero que tenhamos passado neste teste."
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