A escolha da Nigéria entre Jonathan e Buhari
26 de março de 2015A infância do Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, decorreu em circunstâncias pouco abastadas. Filho de um construtor de canoas e de mãe dona de casa, o futuro chefe de Estado nasceu em 1957, em Otuoke. A sua terra natal situa-se no coração do delta do Níger, a região petrolífera que trouxe ao país tantos dissabores. As notícias negativas na imprensa internacional desde a descoberta de petróleo em 1960 são contínuas: condutas rotas, poluição e pessoas que ficaram sem maneira de subsistir.
Mas Otuoke tem a aparência idílica de uma aldeia que nunca sofreu qualquer contratempo: as lanternas na rua são operadas com energia solar, mesmo as ruas laterais estão asfaltadas, tudo está limpo e bem ordenado. É evidente que o facto de Jonathan ter nascido e crescido aqui contribuiu para uma relativa prosperidade. Mas as pessoas aqui não querem falar dos projectos de desenvolvimento fomentados pelo Presidente. Todos os residentes estão mais interessados em louvar o carácter do filho mais célebre da terra.
Uma carreira fulgurante
Nitabai Inengite-Esosi é um dos chefes tradicionais de Otuoke. Foi colega de turma do Presidente na escola e até hoje recebe a visita regular de Jonathan. “Os amigos e a família são muito importantes para ele”, diz Inengite-Esosi. Nunca ninguém imaginou que ele um dia fosse Presidente da Nigéria, acrescenta: “porque era demasiado modesto e honesto”. Aparentemente, o jovem Jonathan não tinha ambições desmedidas e nenhum talento fora de vulgar. Analistas políticos mais críticos do que os habitantes da sua aldeia, costumam afirmar que a carreira do Presidente se fez “graças a uma série de incidentes”.
Carreira política fulgurante
Após um curso superior de zoologia, o futuro chefe de Estado trabalhou como professor universitário e assessor para o meio ambiente da Comissão de Desenvolvimento do Delta do Níger, uma instituição pública encarregada de fomentar projectos de desenvolvimento nesta região rica em petróleo mas ainda muito pobre e assolada por conflitos violentos.
Jonathan apenas começou a ser politicamente activo no final dos anos 90. Nessa altura foi eleito vice-governador do seu Estado Federado de Bayelsa pelo seu Partido Popular Democrático (PDP). A sua fama de funcionário leal do partido valeu-lhe a protecção do então Presidente Olusegun Obasanjo. Em 2007 Jonathan assumiu a vice-presidência. Três anos mais tarde, com a morte repentina do Presidente Umaru Yar'Adua, passou à chefia do Estado. Em poucos anos passou assim de ilustre desconhecido para Presidente da maior democracia em África.
Objetivos por cumprir
O balanço após cinco anos no poder é considerado misto mesmo pelos observadores políticos que lhe são próximos. No que toca dois dos seus temas mais importantes, o combate à corrupção e o fornecimento de energia elétrica, o país regrediu desde o início do seu mandato presidencial. 40% dos nigerianos continuam sem acesso a electricidade. E na lista de percepção da corrupção da Transparência Internacional, em 2014 a Nigéria ocupou a posição 136 entre 175 países.
Mesmo a sua administração foi abalada por numerosos casos de corrupção: em 2012 um inquérito parlamentar descobriu que no espaço de três anos foram desviados mais de cinco mil milhões de euros de rendimentos de petróleo. O analista político Nenge James queixa-se de que a mentalidade de “self-service” da elite política ainda contribuiu para alargar mais o fosso entre ricos e pobres durante a presidência de Jonathan: “Ainda há muitas pessoas a viver na pobreza na Nigéria, no meio da riqueza do país”.
Más perspectivas eleitorais
A fraqueza do Presidente, detetada por muitos analistas, pode constituir um problema sério para Jonathan nas eleições de 28 de março, sobretudo no que toca a luta contra o grupo terrorista Boko Haram. Os atentados dos fundamentalistas islâmicos já custaram a vida a milhares de pessoas, sobretudo no norte maioritariamente muçulmano. O combate ao Boko Haram também levou ao adiamento das eleições incialmente planeadas para o dia 14 de fevereiro.
Muitos habitantes acusam o cristão Jonathan, oriundo do sul, de ignorar a aflição das pessoas nesta parte do país. Cresce o rancor contra o chefe de Estado por este não ter ainda visitado os familiares das cerca 300 meninas de Chibok raptadas pelo Boko Haram na primavera de 2014. Ataques como aquele contra cidade de Baga, que causou centenas de mortos, destruíram a confiança na capacidade de Jonathan de resolver este conflito. Numa rara entrevista a um canal de televisão nigeriano, à pergunta insistente de uma repórter sobre as medidas concretas do seu Governo, o Presidente respondeu que estava a “trabalhar duramente” para resolver o problema.
Não obstante, Nitabai Inengite-Esosi, o chefe tradicional da sua aldeia natal, vai votar novamente em Jonathan. Embora os seus motivos não pareçam ser políticos. Inengite-Esosi diz que, afinal de contas, Jonathan é o seu “irmão” e, além disso, uma pessoa muito simpática. E depois foge à pergunta, se acha que o Presidente também é um bom político: Goodluck, diz, no fundo é um zoólogo e nunca aprendeu a fazer política.
O regresso do ditador
Entre as centenas de milhares de pessoas que sairam às ruas da cidade de Kano, no norte da Nigéria, para ver o líder da oposição, Muhammadu Buhari, de 72 anos, um homem disse à DW: "Estamos a sofrer na Nigéria. Só quando Buhari for Presidente será possível acabar com o Boko Haram".
O ex-general é considerado incorruptível e um fanático da disciplina. Fez carreira nas forças armadas e uma série de governantes militares deram-lhe cargos políticos lucrativos. O muçulmano conservador apoiou a introdução da lei islâmica, charia, no norte do país. E assumiu a presidência entre janeiro de 1984 e agosto de 1985, após um golpe contra um Governo eleito. Mandou prender cerca de 500 pessoas por corrupção e desperdício de dinheiros públicos. Ao contrário da maioria dos outros políticos no país, nunca enriqueceu pessoalmente e até hoje vive numa casa modesta.
Outros tempos
Mas como ditador que era, também mandou executar pessoas, perseguiu a imprensa e rejeitou a democratização. A escritora nigeriana Lola Shoneyin, que acompanha Buhari regularmente na sua campanha eleitoral, considera que hoje os tempos são outros: “Agora vivemos na era da democracia. Temos tribunais, uma sociedade civil ativa e um Parlamento. O que era possível há 30 anos, hoje é impensável".
Em todo o caso, Buhari evita chamar a atenção para o seu passado controverso. Mas uma vez que os nigerianos teem a impressão que o Presidente, Jonathan Goodluck, não consegue resolver os problemas, aplaudem o homem com a mão de ferro. E este sabe o que os eleitores querem ouvir:"Transtornam-me o desemprego obsceno de milhões de jovens nigerianos, a falta de segurança no país e a corrupção crescente. Foi ela que nos lançou na pobreza. Acresce um Governo apenas preocupado em manter o poder, custe o que custar".
Compromissos perigosos
Trata-se da quarta vez que Buhari se candidata à chefia de Estado. Mas é a primeira vez que o faz como candidato de uma oposição quase totalmente unida. O que aumenta as suas possibilidades de ganhar, mas ao mesmo tempo põe em questão a sua credibilidade. Para conseguir obter votos no sul predominantemente cristão, Buhari e o Congresso de Todos os Progressivos (APC) teem que colaborar estreitamente com políticos influentes cujos níveis de corrupção são bem conhecidos no país.
Caso ganhe, Buhari terá que agir contra membros do partido, para não perder a credibilidade. E se perder, dependerá dele que não rebente a violência, como aconteceu em 2011, quando 800 pessoas morreram em protestos contra a sua derrota.