Acordo de paz em Moçambique: Será desta vez a valer?
2 de agosto de 2019Esta quinta-feira (01.08) o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) assinaram na Gorongosa o acordo de cessação definitiva das hostilidades no país.
Raul Domingos, antigo número dois da RENAMO e um dos mediadores do Acordo Geral da Paz, assinado há 25 anos em Roma, capital italiana, considera que "enquanto a FRELIMO outorga-se o único e legítimo representante do povo moçambicano, o risco deste acordo falhar é maior".
O memorando de entendimento rubricado esta quinta-feira na Gorongosa acontece quatro dias depois do arranque do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos guerrilheiros do maior partido da oposição no país, o qual prevê abranger mais de 5 mil homens.
DW-África: Esta quinta-feira Moçambique viveu mais um momento histórico, com a assinatura do acordo de cessação definitiva das hostilidades. Como é que analisa este processo?
Raul Domingos (RD): É um passo muito importante, e espero que as duas partes mantenham o compromisso e que se concretize tudo quanto foi acordado. Mas é importante que se cumpram os prazos do DDR dos homens da RENAMO. Também deve haver flexibilidade para que, no caso de não cumprimento dos prazos por razões de efetivo, logística e de outra natureza, haja compreensão e não se parta para acusações mutuas.
DW-África: E quais são esses prazos de que se refere?
RD: O DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração) dos homens da RENAMO. Este processo mexe com pessoas e logística. Pode haver falhas, porque pretende-se que este processo termine antes das eleições de 15 de outubro. Esse tempo que se delimitou é muito curto. Das duas ou uma: ou se vai fazer de uma forma atabalhoada, pegar as pessoas e atirá-las para sítios onde não há condições. Seria mau ter as pessoas vulneráveis a outras tentativas ou a atrasos. Nestes casos o que é comum é começar-se com as acusações, e estas levam-nos para as hostilidades.
DW-África: Historicamente no país este é o terceiro acordo de cessação das hostilidades, sendo que o primeiro terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz de Roma, em 1992, e o segundo, em 2014, que viabilizou a realização das eleições naquele ano. O que se pode esperar deste terceiro?
RD: Costuma-se dizer que a terceira é de vez. Espero que desta vez seja de vez.
DW-África: E o que é que tem estado a falhar nos anteriores acordos de pacificação do país?
RD: A despartidarização do Estado é fundamental para o sucesso deste exercício ocorrido esta quinta-feira (01.08). Enquanto a FRELIMO outorga-se o único e legitimo representante do povo moçambicano, vai ser mais um acordo, porque o que tem sempre perpetuado esta situação é a questão de Partido-Estado.
Fala-se muito da desmilitarização da RENAMO, mas em Moçambique há dois partidos armados: a RENAMO e a FRELIMO. A RENAMO tem os seus homens que todos nós temos visto por aí. E enquanto a Polícia da República de Moçambique (PRM), a Unidade de Intervenção Rápida (UIR), o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) estiverem sob controlo do partido FRELIMO, então continuamos a ter uma FRELIMO armada. Inicia o processo de desmilitarização das forças da RENAMO, a ser concluído com sucesso teremos a RENAMO desarmada e a FRELIMO armada.
DW-África: E isso pode minar o processo de paz?
RD: Definitivamente, este processo pode correr tranquilamente por cinco, 10 ou 15 anos, mas é uma bomba relógio que a seu tempo irá explodir. Por isso, é importante que se tome em conta que a desmilitarização da RENAMO não pode ser feita sem ter em conta que o mesmo deve ser feito em relação à FRELIMO.
DW-África: Dentro de dias será assinado o acordo de paz efetiva para o país, como está a ser designado. Na sua ótica, o que deve ser feito para que tenhamos uma paz realmente efetiva?
RD: Entendo por uma paz efetiva aquela que não significa apenas o calar das armas. Mas se não há direitos humanos, não há paz; se não há liberdade de expressão, de pensamento e de associação, não há paz. Portanto, uma paz efetiva engloba tudo isso.
DW-África: E neste momento estes elementos estão presentes no país?
RD: O essencial é haver uma vontade política para a concretização desse desejo.
DW-África: Que RENAMO teremos depois do desarmamento dos seus homens?
RD: Uma RENAMO como um partido político maduro, com experiência e que espero que saiba valorizar este protagonismo que teve, tem e que vai continuar a ter. Mas sobretudo saiba valorizar os seus homens. É importante que os combatentes que ao longo deste processo vão ser desarmados não sejam deitados à sua sorte. É preciso que haja uma forma de tê-los organizados e poder atender as suas preocupações, para que estes homens não se sintam traídos pelos acordos.
Até seria bom e útil para a própria RENAMO, porque a partir do momento que fica desarmada, fica como todos os outros. Se a FRELIMO continua armada vai ser muito complicado debater com ela e ser ouvido. Por isso, espero que haja sensibilidades no seio da RENAMO no sentido de encontrar formatos e fóruns em que, à margem daquilo que são as negociações diretas com Governo, os assuntos possam ser apreciados e debatidos à outros níveis.