Afrobeat do nigeriano Fela Kuti é referência na música lusófona
18 de outubro de 2013
O afrobeat chegou à África Lusófona e ao Brasil no início da última década. Milton Gulli formou a banda Cacique 97, em 2005. Doze músicos de Portugal, Moçambique e Angola se inspiram na música do cantor e multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti, o criador do gênero musical. “Se não existisse o Fela Kuti, a Cacique 97 nunca seria formada. A música do Fela há-de estar sempre presente. A inspiração não é só em termos musicais, mas também em relação ao engajamento social e político”.
Para entender a trajetória de Fela Kuti e a influência do afrobeat no mundo, o realizador carioca Pedro Rajão ouviu mais de 40 músicos para o documentário “Anikulapo”. “O afrobeat é o resultado de uma diáspora da música, de uma pesquisa musical que Fela fez junto com Tony Allen, o baterista. Havia uma mistura do que eles escutavam na Nigéria nos anos 60: música cubana, jazz norte-americano e highlife da Nigéria e Gana”, afirma.
As letras das músicas de Fela Kuti e as capas dos discos produzidas pelo artista gráfico Lemi Ghariokwu traziam mensagens diretas contra a colonização na África e a opressão da ditadura na Nigéria na década de 1970. “A música dele era muito didática. As letras eram escritas em inglês, crioulo e em ioruba. São todas muito informais, até com palavrões. São muito diretas, sem metáforas. E assim foram as capas também, com muitas cores e informações”, conta Pedro Rajão.
A banda Cacique 97 criou um afrobeat lusófono. “Temos outros ritmos e melodias que podemos incorporar no afrobeat. Esse é o nosso principal objetivo: incluir batidas de Moçambique, Angola, Cabo Verde, Brasil e Portugal na mesma música”, diz o vocalista Milton Gulli.
A música “Sr. Diplomata”, por exemplo, aborda as dificuldades que os imigrantes encontram quando chegam à Europa. A faixa “Come from Nigeria” é uma homenagem da banda Cacique 97 à Fela Kuti. “A música fala da história do afrobeat e como o gênero ficou profundamente ligado aos países africanos após os processos de independência”.
A Kalakuta
Fela Kuti nasceu numa família de classe média e estudou medicina na Inglaterra. Depois de conhecer o movimento negro nos Estados Unidos, voltou para a Nigéria e fundou uma comuna onde viviam os músicos da banda. “Era ‘um estado’ independente das leis do país, com uma produção musical incansável”, conta Pedro Rajão. A República da Kalakuta ficava em um dos bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano de Lagos, a capital da Nigéria.
A canção “Kalakuta Show” descreve o dia em que o estúdio de Fela Kuti foi invadido por cerca de mil soldados do regime militar. “O exército espancou as pessoas que estavam lá, estuprou mulheres grávidas. Fela se tornou um inimigo público na época, porque era o único que combatia o sistema político de forma veemente. A mãe dele foi atirada da janela e morreu três meses depois”, conta Pedro Rajão.
Fela Kuti morreu de SIDA em 1997. Segundo Pedro Rajão, o músico também é um anti-herói. “Na Kalakuta, ele era um líder autoritário e egocêntrico. Tinha até uma prisão lá dentro. Havia cerca elétrica por todos os lados. O Fela pagava muito mal os músicos. Por outro lado, a Kalakuta foi um local de resistência histórica, com criação musical e política fundamentais para a Nigéria”.
Anikulapo
O documentário “Anikulapo” está em fase de edição e deve ser lançado em 2014. Anikulapo é o sobrenome dado por Fela a si mesmo e aos seus parentes para substituir o apelido inglês da família. Em ioruba, Anikulapo significa “aquele que carrega a morte no bolso”.
No final das gravações em Lagos, na Nigéria, Pedro Rajão foi até à República da Kalakuta e fez uma reverência em frente ao túmulo de Fela Kuti. “Eu perguntei ao meu produtor nigeriano qual é o gesto que as pessoas fazem para prestar homenagens. Coloca-se as duas mãos fechadas, uma em cima da outra, e cada um mentaliza o que quiser. Para mim foi muito bonito e forte, porque eu estava ali como que a pedir uma autorização para contar a história dele”.