Ajuda externa da China em África: quais as intenções?
10 de maio de 2018Foi apenas em 2007 que a China começou a contribuir para a Associação de Desenvolvimento Internacional, o ramo financiador do Banco Mundial, e, a partir daí, veio a aumentar o seu contributo para ajudar países em desenvolvimento, especialmente os do leste Asiático.
Depois de uma reforma económica fenomenal na era pós Mao Zedong, Pequim criou fortes relações com países com economias em desenvolvimento, continuando a garantir ajuda como forma de promover a cooperação "sul-sul".
De acordo com o livro branco emitido pelo Conselho de Estado Chinês no final de 2016, a China dispensou cerca de 400 biliões de yuan (cerca de 47.4 milhões de euros) em ajuda ao desenvolvimento a 166 países e organizações internacionais nas últimas seis décadas.
Mas, à medida que a riqueza e a influência da China crescem, a sua política de desenvolvimento é cada vez mais motivada pela possibilidade de obter acesso a novos mercados e obter retorno económico.
Ajuda externa ou empréstimos?
Um estudo de 2017 realizado pela AidData falava do universo conhecido de ajuda chinesa, entre 2000 e 2014, com 4373 registos que totalizavam 289.6 biliões de euros. Os registos incluem tipos de ajuda tradicional (cerca de 61.3 biliões) e empréstimos de juros reduzidos (cerca de 224 biliões).
Uma das principais descobertas do estudo é que a maioria da ajuda externa chinesa não foi a ajuda tradicional – ajuda direta – mais sim a relacionada com projetos comerciais e empréstimos que tinham de ser reembolsados com juros.
"Se olharmos para as relações China-África, a ajuda é apenas uma pequena parte do que eles consideram ser o compromisso com o desenvolvimento, que inclui comércio, investimentos e financiamento", explica Matt Ferchen, académico do Centro Carnegie-Tsinghua para as políticas globais, na China.
"Sem segundas intenções”
Pequim sempre disse que a assistência chinesa nos países em desenvolvimento funciona na premissa de "igualdade entre parceiros e benefícios mútuos", sem intenções políticas.
Líderes chineses já disseram repetidamente que a China não coloca o mesmo tipo de condições dos países do Ocidente quando dá ou empresta dinheiro a países que precisam. Por exemplo, não requerem que o país beneficiário apresente certos padrões de governação, como é o caso dos Estados Unidos.
Para países com Estado de direito fraco, o investimento chinês "tem vantagens", diz Ferchen.
"Se um país está a ter dificuldades em encontrar financiamento externo, muitas vezes o investimento chinês parece, pelo menos inicialmente, a melhor opção com mais vantagens porque não impõe certas condições", explicou à DW.
Muitos líderes de países beneficiários elogiam a segunda maior economia do mundo e consideram a China um amigo de confiança. Em 2015, o então Presidente do Zimbabué, Robert Mugabe, comparou a China com o Ocidente, depois de assinar acordos económicos com a China. Referindo-se a Xi Jinping disse: "Aqui está um homem a representar um país que já foi chamado de pobre, um país que nunca foi nosso colonizador. Ele está a fazer aquilo que nós esperávamos que aqueles que nos colonizaram fizessem".
Se esta relação é sustentável a longo prazo, é altamente questionável, disse Ferchen à DW.
"As consequências que bancos e empresas chinesas podem ter, se ignorarem os padrões mínimos de governação, é que, a longo prazo, pode ser mais difícil para os beneficiários de ajuda em África, América Latina ou Ásia manterem a relação, pagarem as dívidas e continuar a fazer negócios com a China".
Ajuda económica: porta de entrada para o mercado
Desde a reforma económica, a China tornou-se um dos maiores investidores internacionais e dos maiores financiadores de grandes infraestruturas. Portos no Sri Lanka e caminhos de ferros no Quénia são exemplos de inúmeros projetos financiados pela China por todo o mundo.
Países tradicionalmente mais associados a dadores de apoio externo mantêm-se céticos em relação à ajuda chinesa, pondo em causa o verdadeiro objetivo e implicações. Alguns analistas, especialmente em África, também defendem que muitos dos projetos financiados pela China não são particularmente benéficos para os locais e são apenas uma forma de a China aceder ao mercado e recursos dos países.
Patrick Bond, professor de Economia Política na Universidade de Witwatersrand Wits, na África do Sul, é muito crítico em relação ao investimento externo e ajuda vinda da China. Disse à DW que "as condições dos empréstimos e investimentos chineses se tornam muito claras quando os países beneficiários enfrentam uma crise de dívida".
O professor conta que a China está a impor a propriedade como condição, caso o país beneficiário não consiga pagar as dívidas. Dá o exemplo do Sri Lanka, onde o porto marítimo de Hambantota, construído por chineses, foi cedido à China por um período de 99 anos porque o Governo do Sri Lanka não tinha dinheiro para a sua manutenção. Críticos do Governo queixam-se que ter a China como proprietária do porto põe em causa a soberania do país.
Bond também refere a multibilionária linha férrea entre Mombaça e Nairobi, financiada igualmente pela China, que o Banco Mundial já previu que dificilmente gerará dinheiro suficiente para pagar as dívidas. Outro exemplo são projetos de mineração apoiados pela China na Zâmbia, onde ocorreram disputas laborais violentas entre trabalhadores locais e empregadores chineses.
Ligações preocupantes
Outros estudos por investigadores do AidData demonstram que a política têm um papel importante na forma como a China decide gastar o seu dinheiro, indicando que os projetos de desenvolvimento chineses tendem a concentrar-se em áreas onde vivem os líderes e políticos africanos, em oposição a zonas mais marginalizadas.
Um estudo de um thinktank americano, o Brookings Institution, descobriu que a China tendia a gastar mais dinheiro em países corruptos, havendo uma correlação negativa entre investimento direto do Governo chinês e o índice do Estado de Direito do Banco Mundial.
De acordo com Bond, por causa disto, o investimento chinês é muitas vezes associado com "exploração extrema, corrupção extrema e leva a interferências em assuntos políticos".
"Sabemos que em novembro houve um golpe de Estado contra Robert Mugabe. O novo Presidente é Emmerson Mnangagwa, e nós sabemos que o homem que ajudou Mnangagwa a tornar-se Presidente é o agora vice-Presidente, Constantino Chiwenga, que foi à China na semana anterior, basicamente, pedir permissão para o golpe".
"Sabemos que Emmerson Mnangagwa assinou contratos com as forças armadas chinesas e empresas chinesas para exploração de diamantes e sabemos que cerca de 10.6 milhões de euros em diamantes desapareceram", acrescentou Bond.