Angola: "Há sinais de reconciliação", dizem analistas
11 de novembro de 2018A independência de Angola foi proclamada por António Agostinho Neto, primeiro Presidente da República, a 11 de novembro de 1975. 43 anos depois, e no quadro das cerimónias deste aniversário, o chefe de Estado angolano, João Lourenço, condecorou 72 personalidades civis e militares. No ato ocorrido, este sábado (10.11), várias figuras que prestaram um papel relevante na pátria, entre políticos, militares, desportistas e músicos, foram homenageados.
Surpresas
Na cerimónia não foram condecoradas apenas figuras próximas ao partido no poder, mas também cidadãos críticos ao governo do MPLA, partido no poder, e pessoas dos partidos da oposição. Da lista de homenageados constam também personalidades já falecidas, como é o caso de Nfulupnga Nlando Víctor, morto a tiro em 2004 na sede do seu partido, em Luanda, após ter participado numa reunião do Conselho da República, e na qual teceu duras críticas ao então presidente José Eduardo dos Santos.
A cerimónia deste sábado (10.11), disse João Lourenço, pretendeu expressar o reconhecimento dos angolanos e da pátria por todas estas pessoas que se "entregaram de corpo e alma à defesa do interesse nacional, colocando ao serviço da Nação o seu saber, sua coragem e abnegação, sua arte, sua fé, numa palavra: seu patriotismo".
"Diante de nós temos figuras que se destacaram nas frentes de combate, na defesa da nossa independência e da nossa soberania, aqueles que lutaram com todas as energias na defesa da paz e da reconciliação nacional entre angolanos, aqueles que se destacaram nas artes, na cultura, no desporto e na ciência, e ainda aqueles que, expandindo o evangelho, fé e a necessidade de perdão entre os homens, contribuíram para o sucesso de todos, para a vitória da paz sobre a guerra, para a vitória do perdão sobre o ódio em prol da reconciliação entre os angolanos", disse João Lourenço.
Como explicou ainda o Presidente, estas personalidades fazem parte de diferentes extratos da sociedade angolana, mas têm algo em comum: "o facto de serem humildes, sacrificados" e de "acreditarem sempre que a chave do sucesso está só no trabalho abnegado do dia-a-dia, está nos nobres ideiais que abraçamos não importando os sacrifícios que tenhamos de consentir para os alcançar. Por isso, são vencedores, são heróis, cada um na sua dimensão".
"Reconciliação com a história"
Outras figuras de destaque condecoradas foram Viriato da Cruz, Ilídio Machado, Cónego Manuel das Neves, Jonatão Chingunji, Ambrosio Lukoki, Jaka Jamba, Deamrte Pena, Pedro de Castro Van-Dunen "Loy", Deolinda Rodrigues Eduardo e Liceu Vieira Dias.
Em declarações à DW África, Claudio Fortuna, investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade Católica de Angola, vê nestas condecorações um sinal de reconciliação. "Acho que, acima de tudo, o MPLA, está, por via do presidente do partido, a tentar fazer a reconciliação consigo próprio porque figuras que estiverem na sua ossatura existencial foram afastadas do imaginário vernacular dos seus militantes por orientação vertical. Tal é o caso de nomes como Viriato da Cruz, Ilidio Machado e até mesmo Mário Pinto de Andrade”, disse.
João Lourenço condecorou ainda músicos como Barceló de Carvalho, conhecido como "Bonga", e Teta Lando. Fernando Guelengue, jornalista angolano e diretor do Marimba, único site especializado em música, afirma que "a condecoração de Bonga e a premiação de Waldemar Bastos (vencedor do Prémio Nacional de Cultura e Artes 2018, na categoria de Música) representa um processo de reconcliação com a história que ainda necessita de melhores formatos".
Fernando Guelengue afirma ainda que, "pelo que se oberva e deve ser tido, atendendo à dimensão cultural de Bonga e Waldemar Bastos, ainda há uma certa dose de organização necessária para inclusão dos mesmos que poderá beneficiar o processo de contrução da verdadeira cultura bantu”.
A literatura e a música tiveram um papel importante quer na descolonização de Angola, quer no alcance da paz em 2002, acrescenta o jornalista. "O Bonga e Waldemar Bastos sempre usaram a sua música como artilharia de combate a todos os males que atestavam a independência governamental do governo angolano, através da sua música de carácter intervencionista. Este feito colocou os artistas diante de um muro que separava a sua verdadeira raiz e vontade de contribuir para o desenvolvimento do país com a punição moral do anterio governo".
O movimento cultural angolano sempre foi conotado à política devido à forte influência que este exerce nas criações artísticas humanas. No entanto, Fernando Geuelengue entende que o "único partido dos artistas deveria ser a cultura para evitar recair na censura prévia antes, durante e após o processo de criação”.
Falta Holden Roberto e Jonas Savimbi
A condecoração trouxe ao debate o facto de figuras influentes da História angolana como Holden Roberto e Jonas Savimbi não terem sido condecorados. No entanto, o investigador Claudio Fortuna diz que a maneira como está a ficar aberta a sociedade, os dois nacionalistas serão um dia condecorados.
"É inevitável esse reconhecimento, na medida em que foram duas figuras que marcaram indelevelmente a história política de Angola. Este processo não pode ter recúo, é um indicador encorajante rumo à reconciliação entre nós. O resto é acessório".
Da lista dos condecorados no âmbito do 43º aniversário da independência de Angola destacam-se ainda nas condecorações militares, David António Moisés "Ndozi", Fernando Brica, Jacob Caetano João "Monstro Imortal", Gilberto Teixeira da Silva "Gika", Nicolau Gome Spencer, Pedro Maria Tonha "Pedalé", Augusto Lopes "Roca Monita", Joaquim Cardoso "Janguinda" e Paulo da Silva Munchungo "Comandante Dangereux". O antigo general e dirigente da União Nacional para a Independência de Angola (UNITA) Arlindo Chenda Pena "Ben Ben" foi agraciado, a título póstumo, com a Medalha de Mérito Militar 1.ª Classe, entre outros seis antigos combatentes.