Angola: Covid-19 faz esquecer a luta contra a corrupção?
9 de junho de 2020Desde a divulgação dos dois primeiros casos da Covid-19 em Angola, em março deste ano, a luta contra a corrupção, a impunidade e o nepotismo parece ter sido esquecida. Mas, segundo Lindo Bernardo Tito, jurista e deputado independente, "o combate à corrupção e à impunidade não pode ser colocado de parte em função do quadro que vivemos da pandemia do novo coronavírus", disse, em entrevista à DW África.
Para o jurista, os órgãos de fiscalização do Estado deviam prestar maior atenção às despesas públicas associadas ao combate à Covid-19. "Num quadro em que estão a ser feitas despesas avultadas, deve-se estar sempre 'em cima da mesa' para ajudar os gestores públicos a fazerem uma gestão mais criteriosa e mais transparente dos recursos públicos disponíveis", afirma.
Os recursos disponibilizados para a prevenção e o combate ao novo coronavírus têm sido questionados por alguns cidadãos. Por exemplo, segundo as autoridades sanitárias, um paciente chega a gastar mais de 16 milhões de kwanzas por dia (o equivalente a cerca de 26 mil euros).
"Cruzada contra a corrupção"
Entretanto, a "cruzada contra a corrupção" do Presidente angolano, João Lourenço, voltou à ribalta nos finais de maio e princípios de junho, com relatos de investigação sobre atos de desvios de fundos nos governos provinciais do Cuanza Sul e Bengo.
Há também corrupção e impunidade no Banco de Poupança e Crédito (BPC), tutelado pelo Estado. Nos últimos dias, houve fraude de mais de quatrocentos milhões de kwanzas (mais de 600 mil euros). De acordo com António Lopes, presidente do Conselho de Administração do BPC, a metade destes valores já foi recuperada.
"Neste momento, nós temos recuperado parte significativa do valor desta última fraude. Uma parte deste valor nem saiu do Banco. Os nossos mecanismos de auditoria e as estruturas também intervieram imediatamente no sentido de, através da colaboração institucional, evitar que estes recursos pudessem ser retirados do sistema bancário".
O banco de capital público espera que a Justiça responsabilize criminalmente os implicados no desvio deste e de outros valores como, por exemplo, os 180 milhões de kwanzas (cerca de 270 mil euros) que um dos funcionários, já detido, tentou dar destino incerto.
Para o investigador angolano Nuno Álvaro Dala, a responsabilização criminal pelo desfalque do BPC peca por ser tardia. O ativista defende que a Justiça responsabilize também os dirigentes do aparelho do Estado que constam da lista dos credores.
"Não só aqueles que fizeram os últimos desfalques na forma de furto ou roubo, como também aqueles que efetivamente usaram esse banco, nos últimos 20 anos, como se fosse a sua propriedade. A responsabilização criminal já vem tarde. Era para ser feita ontem", afirmou.
Desfalques
O ex-ministro dos Transportes angolano Augusto Tomás é o principal rosto da luta contra a corrupção e a impunidade levada a cabo pelo Presidente João Lourenço desde 2017. O antigo governante continua na prisão depois de ter visto o "habeas corpus" negativo pela Justiça angolana.
Em curso está o julgamento de José Filomeno dos Santos "Zenú", filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, e de Walter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA). As sessões foram adiadas sem data, devido ao novo coronavírus.
Falta seriedade no combate contra a corrupção, diz Nuno Álvaro Dala. "O combate à corrupção em Angola é uma farsa. Já era uma farsa antes do coronavírus. E continua a ser uma farsa nesse tempo de Covid-19", diz.
Espera-se que depois da pandemia comecem os julgamentos de Higino Carneiro, ex-governador de Luanda e antigo ministro das Obras Públicas, e de Manuel Rebelais, antigo ministro da Comunicação Social e ex-diretor do Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), ambos acusados de corrupção. Os processos já foram entregues ao Supremo Tribunal pela Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana.
É necessário que a fiscalização e responsabilização sejam contínuos, conclui Lindo Bernardo Tito. "Deve-se reforçar a cada dia os mecanismos de controlo e fiscalização da gestão dos recursos públicos e responsabilizar aqueles que violarem as boas regras de gestão financeira", explica o jurista.