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Angola: "Estamos a beber água do lixo"

20 de abril de 2020

Já é um problema antigo em Luanda, mas agrava-se com a Covid-19: sem água potável, famílias têm de desafiar medidas de restrição para garantir sobrevivência. Água imprópria e especulação de preços estão na ordem do dia.

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Falta de água potável é um problema antigo em Luanda (foto de arquivo)Foto: DW/C. Vieira

Famílias vulneráveis em Luanda afirmam que as suas condições de vida estão a piorar a cada dia que passa devido às restrições impostas aos cidadãos como medida de prevenção contra a pandemia do novo coronavírus.

Devido à fraca distribuição de água nalgumas zonas de Luanda, há pessoas que se têm deslocado a outros bairros à procura de água, apesar do estado de emergência, que vigora em Angola desde 27 de março.

Alguns habitantes desafiam o perigo que a Covid-19 apresenta e aventuram-se pelas ruas, alegando que vão à procura de dinheiro para pagar água e comida.

Apoio do Governo não chega a todos

A DW África visitou os bairros Rio Seco e Maie Maie, duas comunidades carentes no município angolano de Cacuaco. Aqui, os moradores denunciam que continuam a não ter acesso a água - alguns são obrigados a consumir água imprópria. "É água da lagoa que consumimos e, quando chove, todo o lixo da zona vai para a água”, diz Luís Domingos Sebastião, morador do Rio Seco. E mesmo esta água imprópria para consumo é difícil de conseguir, explica, "porque há muita enchente. À noite, as pessoas não dormem porque têm de ir buscar água”.

O Governo prometeu abastecimento gratuito nos bairros onde há carência de água. Ainda assim, há zonas onde não se veem as viaturas de distribuição.

Francisco Zumbi, desempregado, conta que o prometido abastecimento não chega à sua comunidade há duas semanas: "Estamos a beber água do lixo".

Angola: Regeln gegen Covid-19 werden nicht eingehalten
Novas regras nem sempre são respeitadas em LuandaFoto: DW/B. Ndomba

Confinados sem comida

Vânia Mateus, moradora do bairro Rico Seco há sete anos, depende de ajudas para ter comida em casa. Durante a entrevista à DW, a jovem afirmou que os seus dois filhos não tinham jantado e nem sabia o que seria o almoço.

"Estou mesmo à rasca porque não tenho como sustentar a minha família. Estou há quatro meses sem salário e com esta doença não tenho como ir ao mercado. Assim como estou, não tenho nada para comer", disse a jovem.

E a história repete-se: Helena José vendia pastéis à porta de casa, mas o negócio está parado desde o estado de emergência. Entretanto, perdeu o pouco dinheiro que ganhou. Agora, só come "quizaca" - folhas de mandioca.

"Estamos aqui em quarentena sem comida. Por exemplo, ontem eu e os meus filhos jantámos quizaca sem funge. A minha casa é de bloco. Quando os bons samaritanos doam comida, nós, das casas de bloco, não somos beneficiados. Não sei se o bloco vai ter o que comer. Daqui, só em Deus podemos confiar", lamentou a moradora do Maie Maie, em Cacuaco.

Especulação preocupa ONG

O diretor-geral da ONG angolana Acção para Desenvolvimento Rural e Ambiental (ADRA), Carlos Cambuta, denuncia que, além da má distribuição da água, há também especulações no preço:

"Para ter uma ideia, há bairros que estão a comercializar 25 litros de água a 250 kwanzas (cerca de €0,40), num momento em que as famílias não estão efetivamente a produzir."

Carlos Cambuta recorda ainda que boa parte da população dedica-se ao mercado informal, "portanto, são famílias que gastam o que ganham no mesmo dia."

O Governo prometeu também distribuir alimentação aos carenciados e já está a receber doações de diferentes instituições para as comunidades pobres. Segundo o diretor-geral da ADRA, o Executivo devia fazer uma parceria com a sociedade a civil para identificar as famílias que precisam de ser apoiadas com  a cesta básica e "fazer as coisas em conjunto, assegurar que a responsabilidade da distribuição não seja apenas das administrações do Estado, que envolva também autores locais."

"Estamos a falar das igrejas, as organizações comunitárias, que são as cooperativas, as associações, as comissões de moradores, as ONG e entre outras formas de organizações comunitárias que nos parecem ser importantes porque vivem nas comunidades, e portanto, sabem quais são as famílias que enfrentam momentos mais difíceis do ponto de vista do acesso à alimentação. Assim, será mais fácil assegurar que estas cestas básicas cheguem realmente às famílias carenciadas", considera o diretor da ADRA.